Yolanda Ramos de Mendonça

04/12/1979

YOLANDA MENDONÇA

Por Gustavo Adolpho Vogel Neto, Acadêmico.

1. Considerações iniciais

Yolanda Ramos de Mendonça nasceu em Maceió, Alagoas, em 25.05.1910, filha de Jacintho Lopes Rodrigues de Mendonça, proprietário de engenho no município de Pilar, e da professora Maria Ramos de Mendonça, bisneta do Barão de Mendonça (Barão de Mundaú), homem riquíssimo, de tradicional família alagoana, que, em 1864, hospedou em sua residência o Conde d’Eu, Luiz Filipe Gastão de Orléans.

Pelo lado materno, Yolanda era neta do Capitão do Exército Joaquim José Ramos, nascido no Estado de Santa Catarina, herói da Guerra do Paraguai, que recebeu as condecorações mais expressivas por sua participação gloriosa nos combates de Itororó, Lomas Valentinas e Cerro Corá, travados naquele conflito armado.

Yolanda Mendonça realizou os primeiros estudos em sua terra natal, no Liceu Alagoano. Diplomou-se, em seguida, pela Escola Normal de Maceió.

Seus predicados despontaram muito cedo, chamando a atenção daqueles que a acompanhavam no ambiente familiar e nos colégios que frequentava, sobretudo no que concerne à agilidade de raciocínio e argumentação, deixando transparecer, por outro lado, seus dotes de excelente expositora e escritora.

Já com 15 anos criava sua primeira obra literária, “Horas amarguradas”, livro de contos bastante avançado para sua idade e sua época, no qual expressava sentimentos e emoções numa visão particular da existência. Essa obra mereceu os elogios mais calorosos dos críticos especializados, comparando-a – talvez com certo exagero – às dos mais famosos contistas de nossa língua..

2. Formação e início de carreira

Formou-se em Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito do Recife, Pernambuco, colando grau em 8 de dezembro de 1933. Logo após a conclusão do Curso de Direito, passou a residir no Estado do Espírito do Santo, onde assumiu, por extenso período, o cargo de Promotora Pública, desenvolvendo sua atividade no município de Afonso Cláudio.

Em 1934, foi nomeada pelo Ministro Agamenon Magalhães para servir junto ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Teve, então, o ensejo de colaborar com o Presidente Getúlio Vargas na elaboração e no aperfeiçoamento das normas disciplinadoras das relações entre empregados e empregadores, bem como, em especial, na organização da Justiça do Trabalho, objeto do Decreto-lei nº 1.237, de 02.05.1939, que ela ajudou a redigir.

3. Cursos de pós-graduação

Na década de 1940, cursou Doutorado em Criminologia e Psicopatologia Forense, na Faculdade Nacional de Direito, da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mais tarde, no intuito de ampliar sua cultura jurídica, realizou estágios em renomadas entidades de outros países:

No “Institute de Criminologie e de Droit Pénal de Paris”, desenvolveu, em 1954, pesquisas acerca das causas do comportamento antissocial com base em conhecimentos da Psicologia e da Sociologia. Teve ali, como orientadores, mestres do mais alto quilate, notadamente René Cassin, Edmond Locard e Georges Burdeau.

A realização desse curso por Yolanda Mendonça ocorreu antes da reorganização do ensino superior francês, processada em 1978, que resultou na criação de diversas entidades autônomas, entre elas a Universidade de Paris II Panthéon-Assas, à qual ficou vinculado o referido Instituto.

Na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em 1961, realizou estudos sobre o tema Direito Penitenciário, matéria do Curso de Pós-Doutorado em Direito Público, envolvendo aspectos da execução das penas, cumprimento de medidas de segurança e organização do sistema prisional.

Durante o Curso de Pós-Doutorado em Coimbra, teve o privilégio de colher os ensinamentos de luminares da Ciência Jurídica como Luís Cabral de Moncada, Diretor da Faculdade no período 1932-1940, e de conviver com expoentes do Direito como Francisco Manuel Pereira Coelho e Orlando Alves Pereira de Carvalho, que vieram a ser Catedráticos na mesma Faculdade.

Para cumprimento de seu projeto na Faculdade de Coimbra, Yolanda Mendonça contou com o apoio de uma pessoa de excepcional prestígio, o então Ministro de Estado dos Negócios de Portugal, Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira, que lhe concedeu permissão para acessar todos os órgãos do Judiciário, inclusive estabelecimentos prisionais, daquele país.

4. Exercício da advocacia

Afastando-se do serviço público, a talentosa alagoana incrementou sua atividade forense, atuando nas áreas do Direito Civil, Penal e do Trabalho, em diversos Estados da Federação. A exemplo de ícones como Maria Augusta Saraiva em São Paulo (primeira mulher a se formar na Faculdade de Direito da USP, em 1902), Yolanda Mendonça foi uma das pioneiras da advocacia no Brasil, consagrando-se como símbolo da inclusão feminina na atividade forense.

Oradora vibrante, empolgante, convincente, produziu memoráveis defesas perante os Tribunais, inclusive do Júri, nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, pontificando, também, na Região Nordeste, em Alagoas, onde nasceu, e Pernambuco, onde se formou.

Em Porto Alegre, por exemplo, sustentou notável defesa em Revisão Criminal junto à Corte de Justiça do referido Estado, então presidida pelo desembargador La Hire Guerra. O desempenho da advogada repercutiu de modo espetacular na sociedade local, tendo sido amplamente divulgado por veículos de imprensa como “Diário de Notícias” e “Correio do Povo”.

A Revisão Criminal em tela provocou, na ocasião, acesos debates entre os estudiosos do Direito Processual Penal, ressuscitando o entendimento de Luís Gallotti e Ary Franco no sentido de que tal remedium juris representava uma espécie sui generis de ação rescisória em sede penal, obedecendo, contudo, à forma típica dos recursos.

Yolanda Mendonça teve, ainda, participação relevante em processos da jurisdição do Tribunal Marítimo, órgão auxiliar do Poder Judiciário, ao qual incumbe julgar os casos de acidentes de navegação e as questões relativas ao registro e controle de embarcações e armadores. Yolanda foi a primeira advogada a defender, naquele Tribunal, os interesses de várias empresas nacionais.

5. Magistério superior

Ainda na década de 1950, passou a ministrar aulas de Introdução à Ciência do Direito e Direito do Trabalho na Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade do Distrito Federal, depois transformada, sucessivamente, em outras instituições de ensino, até constituir, em 1975, a Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Em 1963, incorporou-se ao elenco de professores da Faculdade de Direito de Niterói, que deu origem, em 1965, à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense. Nessa Faculdade, lecionou, inicialmente, Filosofia do Direito e, depois, em diferentes etapas, Direito Penal e Direito Processual Penal, dividindo as aulas do programa com os eminentes professores Epaminondas Pontes e Carlos Fernando Terra.

6. Atuação como escritora

Destacou-se na literatura, tendo escrito obras jurídicas de alto nível, refletindo a experiência acumulada pela autora em suas múltiplas atividades no campo do Direito. Produziu, também, ensaios contendo reflexões sobre a origem e o sentido da vida, bem como textos de natureza narrativa ou descritiva, reunindo biografias de vultos emblemáticos da História do Brasil.

Dos 38 livros publicados, sobressaem aqueles que se tornaram referências para os advogados da área do Direito Penal intitulados “Sociologia Criminal” e “Do delinquente”; e, na esfera do Direito Marítimo e Portuário, o esplêndido “Seguro Marítimo e Avarias”, cuidando das indenizações devidas por perdas e danos referentes a embarcações e seus acessórios.

Além das obras de viés jurídico e de investigação a respeito da existência humana, da organização social e do comportamento dos indivíduos, cabe, ainda, mencionar as valiosas pesquisas por ela realizadas sobre figuras icônicas da cultura nacional, como Fr. Francisco do Monte Alverne, Oswaldo Aranha e o renomado criminalista Gervásio Fioravante Pires Ferreira.

7. Entidades e eventos

Teve participação efetiva em diversos eventos, tais como:

– I Congresso Brasileiro de Direito Social, promovido pelo Instuto Brasileiro de Direito Social, São Paulo, 1941;

– I Congresso Internacional de Direito Social, promovido pelo Instituto de Direito Social, São Paulo, 1958;

– Congresso de Direito Internacional realizado em Zagreb, Iugoslávia, no ano de 1976;

– Congresso do Instituto dos Advogados Brasileiros, Rio de Janeiro, 1977, no qual apresentou tese abordando o tema “Criminalidade do menor”;

– Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Rio de Janeiro, 1978, realizando palestra sobre “Garantias individuais e sociais”;

Foi Integrante de diversas entidades, no Brasil e em outros países, tais como:

– Instituto dos Advogados Brasileiros;

– Academia Brasileira de Direito do Trabalho;

– Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro (Rio de Janeiro);

– Union Internacional de Abogados (Buenos Aires);

– Société Internationale de Prophylaxie Criminelle (Paris).

Na Academia Brasileira de Direito do Trabalho, inicialmente denominada Academia Nacional de Direito do Trabalho, foi a primeira Titular da Cadeira nº 65, patrocinada pelo Ministro Orozimbo Nonato, tendo participado das diversas reuniões que resultaram na criação daquela entidade, com o propósito de incrementar o estudo e o aperfeiçoamento das instituições jurídico-trabalhistas.

Em tais reuniões, realizadas na cidade do Rio de Janeiro – no escritório do advogado Custódio de Azevedo Bouças, onde veio a ser instalada a primeira sede da Academia – estavam sempre alguns dos maiores vultos não só do Direito do Trabalho mas da Ciência Jurídica lato sensu.

8. Síntese conclusiva

A extraordinária inteligência de Yolanda Mendonça e seu desejo incessante de obter novos conhecimentos proporcionaram-lhe um nível de cultura invulgar, inclusive no tocante ao domínio perfeito de idiomas estrangeiros, facilitando o acesso às obras mais avançadas nos campos da literatura em geral, assim como da Filosofia, Sociologia, Psicologia, Economia e, principalmente, do Direito.

Yolanda foi uma intelectual de extremo valor e jurista de marcante presença, detendo os mais nobres atributos que o ser humano pode ostentar, como apologista da ética e cultora da honestidade, generosidade, solidariedade, do amor ao próximo, sem jamais transigir em suas convicções de pessoa absolutamente autêntica, adepta rigorosa da coerência e da verdade.

Em suas próprias palavras, escritas na primeira obra que concebeu, é possível identificar o sentimento da grande pensadora sobre o Bem como valor moral que constitui o fim da ação humana. Disse ela: “Não alcançamos as iluminuras divinas das moradas sobrenaturais se não praticamos o Bem, qualquer que seja a sua expressão filosófica”.

A esse perfil deve-se agregar, com toda ênfase, uma característica talvez dominante em sua personalidade: a de ter sido uma mulher determinada, desassombrada, destemida, capaz de lutar, bravamente, pelos seus ideais, mesmo contra inevitáveis preconceitos. Daí sua consagração como líder, como pioneira no exercício de sua profissão, a advocacia.

A existência privilegiada de Yolanda Mendonça reafirma as concepções emergentes do Iluminismo que vicejava no Século das Luzes, e no qual despontaram expoentes da estatura de Voltaire, Diderot, D’Alambert, Rousseau, Condorcet e tantos outros, embora persistissem as restrições ao pleno exercício das virtudes inerentes à mulher. Desde então, apregoava-se apenas em tese:

“Toute personne est capable d’exercer les fonctions sociales pour lesquelles elle a le droit d’être appelée à développer, dans toute son ampleur, les talents qu’elle a reçus de la nature et à établir ainsi entre les citoyens une égalité de faite pour rendre réelle l’égalité politique, reconnu par la loi” (“Instruction Publique en France pendent la Révolution”. Paris: Éditions Klincksieck, 1990, p.105).

Coadunava-se tal diretriz, perfeitamente, com a trajetória de Yolanda Mendonça, que empenhou todas as suas qualidades no sentido de igualar operadores e operadoras do Direito, colocando-os no mesmo nível de atuação perante a Justiça. A vida e a obra dessa eminente brasileira simbolizam, em última análise, a luta pela Justiça e pela afirmação profissional da mulher no campo da advocacia, em suas diversas modalidades.

Faleceu no Rio de Janeiro em 13.05.1981.

Publicações

Eventos

Notícias

Vídeos