Francisco Clementino de San Tiago Dantas foi daqueles varões ilustres, que honraram a pátria e seus compatriotas com a culminância de um talento extraordinário e de uma inteligência privilegiada, pois pontificou, com invulgar brilhantismo, no jornalismo, na advocacia, no magistério superior, na Câmara Federal, no Ministério das Relações Exteriores e no Ministério da Fazenda.
Na adolescência sonhou com a carreira militar, influenciado pelo exemplo paterno, mas decidiu ingressar no curso jurídico, e, na escola de direito encontrou dois paradigmas, que lhe despertaram o amor e a dedicação pelos estudos jurídicos: Lacerda de Almeida e Francisco Campos. Sob a égide desses eminentes juristas, obteve régua e compasso para uma brilhante carreira, assimilando suas lições e formando uma cultura humanística de larga dimensão, além de adquirir um profundo conhecimento do Direito.
A carreira magisterial o seduziu e cedo conquistou a cátedra de Legislação das Construções na Escola Nacional de Belas Artes. Lecionou Instituições de Direito Civil e Comercial na Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas, transformada depois na Faculdade Nacional de Ciências Econômicas, e Direito Romano na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Aos trinta anos incompletos, ingressou na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, com uma tese, que se tornaria clássica, Os Conflitos de Vizinhança e sua Composição. Era chamado então de “catedrático-menino”. Tomou posse na cátedra em 1940 e nela permaneceu até 1958, quando a política o atraiu, ao mesmo tempo encetava uma fase de intensa atividade advocatícia num dos escritórios mais conceituados do país, sendo um de seus sócios o eminente jurista Carlos Medeiros da Silva.
O seu desempenho como professor de Direito representa uma das páginas mais brilhantes do magistério jurídico deste país. Servido por uma cultura jurídica extraordinária, conhecendo profundamente o Direito Civil, era um expositor impecável, expressando-se com didática exemplar, impondo-se como mestre consumado na arte de lecionar.
Convencido de que o ensino do Direito deve ser direcionado no sentido de levar o aluno a um cabal desempenho do raciocínio jurídico, adotava uma forma de ensinar pioneira. Relegando a um segundo plano o estudo sistemático dos institutos e das normas, preferia o método do “estudo de casos”, certo de que “o objetivo primordial do professor não é a conferência elegante sobre o tópico do programa, mas a análise de uma controvérsia selecionada, para evidenciação das questões nela contidas e sua boa ordenação para o encontro de uma solução satisfatória, com a consulta às fontes positivas, às fontes literárias e aos repertórios de julgados, e finalmente a crítica da solução encontrada com a apreciação das alternativas aventadas”. Propugnava e praticava a reorientação do ensino no sentido da formação do próprio raciocínio jurídico, em lugar do simples conhecimento sistemático das instituições, despindo a educação jurídica de seu caráter ornamental e descritivo.
Consubstanciou essas suas idéias na aula inaugural dos cursos da Faculdade Nacional de Direito, proferida no ano de 1955. Ao defendê-las, não esquecia o aspecto ético e afirmava que, pela educação jurídica, é que a sociedade assegura o predomínio dos valores éticos perenes na conduta dos indivíduos e sobretudo dos órgãos do poder público.
San Tiago Dantas pontificou em outras áreas com o mesmo talento e excepcional descortino. A política externa não tinha segredos para ele, e isso o levou , em 1943, a representar o Brasil na Primeira Conferência de Ministros de Educação das Repúblicas Americanas, realizada no Panamá, e, em 1951, a ser conselheiro da Delegação brasileira à Reunião de Consulta dos Chanceleres Americanos, em Washington. Foi membro do Comitê Permanente de Arbitragem de Haia, e presidiu, de 1955 a 1958, a Comissão Interamericana de Jurisconsultos, sediada no Rio de Janeiro. Coubelhe, em 1959, colaborar na redação e na discussão da Declaração de Santiago do Chile, um dos mais importantes documentos do Sistema Interamericano. Em maio de 1962, recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade de Cracóvia.
Eleito Deputado Federal em 1958, foi reeleito em 1962. Ocupava ainda sua cadeira na Câmara Federal quando a morte o surpreendeu em 1964.
Não deixou uma obra vasta. Restringe-se ela à tese com a qual conquistou a cátedra de Direito Civil, em 1949, um volume de pareceres intitulado Problemas de Direito Positivo, uma coletânea de trabalhos sobre A Política Externa Independente, Programa de Direito Civil, organizado segundo as suas aulas proferidas na Faculdade Nacional de Direito, nos anos de 1942 a 1945, taquigrafadas por Victor Bourhis Jürgens, e Palavras de Um Professor, em que estão reunidos discursos acadêmicos e aulas inaugurais. Existem ainda muitas outras publicações avulsas e opúsculos, de sua autoria, como o texto magistral de sua conferência intitulada Dom Quixote: Um Apólogo da Alma Ocidental.
Em todos os seus trabalhos estão presentes a clareza do seu raciocínio primoroso, o brilho de uma sólida cultura humanística e a força vital de um mestre exponencial.
Fonte: Texto extraído do siscurso de posse na Cadeira n. 37 do Acadêmico Antônio Carlos Araújo de Oliveira, em janeiro de 2007.
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