Nélio Reis

Expoente da advocacia trabalhista

por Gustavo Adolpho Vogel Neto

Nélio Pontes dos Reis nasceu em Belém do Pará em 20 de janeiro de 1915, filho de Cássio Romualdo dos Reis e Olga Pontes Barbosa dos Reis. Casou-se com Léa Ramalho Novo dos Reis e dessa união nasceram dois filhos, Marcelo e Maria Lúcia. Concluiu o curso de Bacharelado em 1935 na Faculdade de Direito do Pará, atual Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará. Logo depois, transferiu-se com a família para o Rio de Janeiro.

Lecionou Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil (depois incorporada à Universidade Federal do Rio de Janeiro); e, por concurso – no qual foi aprovado com grau máximo – assumiu a cátedra de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara (transformada posteriormente em Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

No serviço público, integrou a Comissão Permanente de Direito Sindical do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Tal Comissão constituía, desde a Revolução de 1930, elemento fundamental para o desenvolvimento de ações destinadas a pacificar ou, pelo menos, atenuar os conflitos entre patrões e empregados. As atribuições dessa Comissão encontram-se hoje posicionadas no âmbito da Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência Social.

Nélio Reis foi um dos pioneiros do exercício da advocacia trabalhista no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, desenvolvendo intensa e bem-sucedida atividade profissional desde o tempo em que a Justiça do Trabalho ainda não integrava o Poder Judiciário, o que só veio a ocorrer, como se sabe, com a promulgação da Carta Política de 18 de setembro de 1946.

Benedito Calheiros Bomfim, ex-titular da Cadeira nº 67 da ABDT, em brilhante artigo sobre A advocacia trabalhista no mundo do Judiciário, exalta a figura do Patrono da Cadeira nº 66 desta entidade ressaltando: “É de justiça evocar, inclusive em homenagem às suas memórias, o pugilo de desbravadores da advocacia trabalhista. No Rio de Janeiro, então Distrito Federal, éramos tão poucos, que aqui podemos nominá-los quase todos (…)”. E, logo de saída, menciona o nome de Nélio Reis.

Naquela época, já se destacava, no campo da literatura, produzindo inúmeras obras jurídicas e de ficção. Entre os livros sobre matéria trabalhista, publicou:

Participação Salarial nos lucros da empresa (1946);

Natureza jurídica do Poder Hierárquico no Contrato de Trabalho (1951);

Novas Conquistas do Direito do Trabalho (1955);

Alteração do Contrato de Trabalho (1957);

Relações entre o Direito Penal e o Direito do Trabalho (1958);

Contrato de Prova (1963);

Problemas Sociológicos do Trabalho (1964);

O Advogado no Direito do Trabalho (1964).

O livro Contrato de Prova – tese do concurso para cátedra da Faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara – deu origem à inserção na CLT, em 1967, da figura do “contrato de experiência”, até então inexistente no direito positivo brasileiro. Não prevaleceu, é bem verdade, a denominação, apregoada por Nélio Reis, “contrato de prova”, mas a ideia prosperou, legitimando-se a celebração de um pacto a prazo certo pelo qual as partes assumem a obrigação de avaliar a conveniência e a possibilidade de manutenção do contrato de trabalho sem predeterminação de tempo.

Como romancista, dedicou-se a retratar o povo de sua terra, com excepcional capacidade de observação, de imaginação, de dramatização, escrevendo histórias sertanejas ao mesmo tempo bizarras, curiosas e emotivas. Foi um contista invulgar, tendo publicado, entre outros, os romances Subúrbio (1937), O rio corre para o mar (1941) e Marajó (1945), na esteira do movimento cultural inaugurado em 1922.

O primeiro destes romances, Subúrbio, mereceu de Érico Veríssimo a seguinte referência consagradora: “Ao abri-lo pensei: mais um livro. Ao terminá-lo exclamei: um grande romance”. Josué Montello, por sua vez, colocou Nélio Reis ao nível de escritores regionalistas como José Lins do Rego, que fizeram vicejar o “moderno romance brasileiro”, no início do século passado, descrevendo situações típicas da sociedade interiorana do nosso país.

Atuou como jornalista, escrevendo para diversos periódicos, entre eles O Globo, Jornal do Brasil, Jornal do Commercio, O Dia, A Notícia, Correio da Manhã e O Jornal. Repercutiam amplamente suas crônicas e seus comentários sobre os mais variados acontecimentos do cotidiano. A atividade jornalística regular ensejou sua inscrição na Ordem dos Jornalistas do Brasil e na Associação Brasileira de Imprensa.

Além de ostentar a honrosa condição de Patrono da Cadeira nº 66 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, foi membro da Academia Brasileira de Ciências Sociais, da Academia de Ciências Morais e Políticas, do Instituto dos Advogados Brasileiros, do Instituto Brasileiro de Direito do Trabalho, do Instituto Brasileiro de Previdência e Assistência Social e do Instituto de Direito, Medicina e Seguro Social.

No exterior, integrou os quadros da Société Internationale de Droit du Travail e de la Securité Sociale (Bélgica), da Industrial Law Society (Londres), da Academia de Ciências Morales y Politicas (Espanha), da Academia Mexicana de Derecho del Trabajo y de la Previdência Social (Ciudad de Mexico) e do Instituto de Direito do Trabalho da Universidade do Litoral (Argentina). Daí sua presença constante nos mais diversos centros mundiais de estudos jurídico-trabalhistas.

Recebeu, sempre, dos alunos das faculdades onde lecionou, o reconhecimento pela atenção que lhes dedicava, sendo, com frequência, homenageado como paraninfo, patrono, decano e várias outras formas de reverência que lhe eram invariavelmente prestadas com inteira justiça. Basta mencionar que, em certa época, promoveu, com recursos próprios, a restauração e reorganização do Escritório de Prática Forense da antiga Faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara.

Muito a propósito, para que se perpetue a lembrança do mestre, vale recordar a conclusão do discurso por ele proferido – em louvor à figura do advogado, do causídico – na solenidade de colação de grau da Turma de 1964 da Faculdade há pouco referida, colocando em relevo o contraponto, a face adversa, daquele profissional, ao estilo clássico do poema “If” de Rudyard Kipling.

Disse, então:

“Meus jovens colegas,

Se, diante de cada processo, o temor do fracasso lhes ditar a recusa da causa.

Se, ao enfrentar um problema técnico, sentirem que não serão capazes de varar a noite na busca do texto preciso e da lição mais adequada.

Se, perante os Juízes ou Tribunais, na defesa de um bom direito, não encontrarem a altivez necessária para repelir um gesto de arbítrio ou prepotência.

Se, chamados a opinar, não sentirem que a única tutela digna do povo é aquela imposta pelo Direito e pela Justiça.

Se, antes mesmo das razões de seus clientes, preferirem investigar o valor da causa, na preocupação com o valor dos honorários.

Se saírem de uma audiência perdida sem aquela sensação de que sofreram uma injustiça e na esperança de corrigi-la enquanto houver instâncias de recurso.

Se, em resposta à pergunta sobre sua posição social, não forem capazes de dizer com orgulho, firmeza e sonoridade, somos ADVOGADOS.

Se, consultado por um filho quanto à profissão a ser escolhida, tiverem dúvida em indicar aquela que abraçaram.

Se tudo isso acontecer, na paráfrase de KIPLING, então lhes direi que não são, ou nunca foram, verdadeiros advogados, que nenhuma razão houve para escolherem um professor-advogado como paraninfo, e motivo nenhum tive para merecer esta homenagem, que pretendo vincule eternamente os nossos corações.”

Nélio Reis faleceu em 1968 no Rio de Janeiro. Deixou para as novas gerações de intelectuais e para as que virão em tempos remotos, o exemplo de um grande causídico – orador “empolgado e empolgante” nas palavras do saudoso Orlando Gomes – excepcional professor, talentoso literato, jornalista de elevado conceito e brilhante cultor da Ciência Jurídica, notadamente do Direito Laboral, que tanto dignificou e engrandeceu.

Ver também Discurso de posse do Acadêmico Roberto da Silva Fragale Filho: https://www.andt.org.br/f/ABDT%20-%20Discurso%20de%20Posse%20-%20R.%20Fragale.pdf

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