ChatGPT, Chapeuzinho Amarelo, o “talvez” e a certeza de Leonardo da Vinci

07/03/2023

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Por Antonio Carlos Aguiar

Dei aula por quase 30 anos para cursos de graduação: ciências contábeis, administração e direito. Um modelo onde eu, professor, repassava algum conhecimento (muito pouco, comparado a todo o conteúdo disponível aos alunos, em especial nos dias de hoje) e, depois, aplicava-lhes uma prova, para saber se tinham, cada um a seu turno, absorvido de uma forma ou outra, aquele pequeno objeto que eu lhes havia repassado. Muita vez, de maneira absolutamente teórica, sem aplicação prática e efetiva à solução e/ou compreensão da razão do “existir” da matéria e enfrentamento num caso real.

Em verdade, se tratava de uma espécie de bula, sem obrigatoriamente demonstrar, na prática, “como” se chegou naquilo ou o “porquê” do remédio, ou mesmo sobre a existência da doença, que gerava o tema ou temas tratados em sala de aula. Uma subjetividade (de conteúdo delimitado ao espaço e formato expostos) para futura utilização objetiva. Um paradoxo aceito e incentivado. Prova realizada; nota dada; aluno passando (ou não) de ano, dentro e de acordo com uma linear programação de uma consagrada esteira de linha de produção do aprendizado. Ponto final. Isso, ano após ano.

Um ensino eminentemente passivo. Tal e qual explicitado e explicado pelo professor e pesquisador Claudio de Moura Castro: o ensino passivo é ameno, agradável e leve. O professor ensina tudo, passo a passo. Não é surpresa que essa forma de ensino agrade a todos. Peça a qualquer aluno que descreva seu professor ideal e teremos a figura de um grande expositor” (jornal O Estado de S. Paulo de 5/2/2023).

Contudo, esse passivo, ameno e agradável jeito de aprendermos e depois nos posicionarmos profissionalmente está em xeque. Apareceu esse tal de ChatGPT que, ao que tudo indica, será o exterminador do futuro (já agora no presente!) de todos nós, professores, advogados, jornalistas, pesquisadores… O robô efetivamente roubando empregos, profissões e paixões. A ficção tornando-se realidade.

ChatGPT é o nosso Lobo. Somos o Chapeuzinho Amarelo do famoso conto de Chico Buarque. Nos encontramos: “Amarela de medo. Tinha medo de tudo, aquela Chapeuzinho. Já não ria. Em festa, não aparecia. Não subia escada e nem descia. Não estava resfriada, mas tossia. Ouvia conto de fada e estremecia. Não brincava, nem de amarelinha”.

Sem dúvida alguma esse Lobo ChatGPT causa medo. Foi capaz de passar em testes de medicina nos Estados Unidos. Numa prova final de um MBA de Wharton. No Brasil, na primeira fase do exame da OAB.

O que fazer? Por que isso acontece justo agora? Na nossa vez? Isso é sorte, azar ou simplesmente um “talvez”?

Há um conto chinês que nos ajuda a pensar essa maré de sorte, azar ou “talvez”. Diz mais ou mesmo assim:

“Um pobre camponês despertava a inveja das pessoas mais ricas da região por possuir um extraordinário cavalo branco. Sempre que lhe ofereciam um grande valor pelo animal. Ele simplesmente agradecia e respondia que não queria e nem podia se desfazer dele. Tinha-lhe um apreço muito grande. Certo dia o cavalo fugiu. Seus vizinhos vieram até ele, dizendo o quanto aquela situação era-lhe ruim. Um verdadeiro azar tinha abatido sobre o camponês. Ao que ele, então, respondia-lhes: ‘talvez’.
No dia seguinte, o cavalo fujão reapareceu. E consigo trouxe outros sete cavalos lindos, maravilhosos e selvagens. Os vizinhos, novamente, batem à sua porta, só que agora, dizendo-lhe, nossa que sorte! Ao que ele, então, responde-lhes: ‘talvez’.
Noutro dia, seu filho tentando domar um dos cavalos selvagens, dele cai e quebra uma perna. Mais uma vez os vizinhos aparecem e exclamam: que azar. Ao que ele, então, responde-lhes: ‘talvez’.
Dia seguinte, oficiais do exército, que recrutavam jovens para se tornarem soldados para ir à guerra que se dava na região, aparecem na casa do camponês, mas, não levam o seu filho, justamente porque ele encontrava-se com a perna quebrada. Outra vez, vizinhos vão ao seu encontro dizendo agora: que sorte. Ao que ele, então, responde-lhes, uma vez mais: ‘talvez’.”

Voltemos à Chapeuzinho Amarelo. Ao seu “talvez” e seu encontro com o Lobo.

“Chapeuzinho Amarelo de tanto pensar no LOBO, de tanto sonhar com LOBO, de tanto esperar o LOBO, um dia topou com ele que era assim: carão de LOBO, olhão de LOBO, jeitão de LOBO e principalmente um bocão tão grande que era capaz de comer duas avós, um caçador, rei, princesa, sete panelas de arroz e um chapéu de sobremesa.
Mas o engraçado é que assim que encontrou o LOBO, a Chapeuzinho Amarelo foi perdendo o medo, o medo do medo do medo de um dia encontrar o LOBO. Foi ficando só com um pouco de medo daquele LOBO. Depois acabou o medo e ela ficou só com o LOBO” (itaudeminas.mg.gov.br).”

Num mundo multiforme, onde o profissional, seja de que área for, tem de lidar com uma gama infinita de oportunidades, opções e soluções das mais variadas, de natureza complexa, com mudanças exponenciais diuturnas, não é possível ficarmos com medo do Lobo. Temos de, ao contrário, ser o que o humano é: inventivo (que é mais do que simplesmente criativo, situação que a Inteligência Artificial alcança com seus algoritmos).

O profissional (do futuro que já chegou!) é, segundo termo utilizado por Walter Longo, um “nexialista”, que tem como principais características, curiosidade: curiosidade de conhecer e aprender; proatividade: planejar e tomar ações com antecedência; persuasão: capacidade de convencer as pessoas com argumentos sobre sua perspectiva; comunicação: prender a atenção facilmente daqueles que o ouvem; multidisciplinariedade: tratar com naturalidade assuntos improváveis e encontrando soluções de problemas por meio da combinação de diferentes abordagens; visão holística: identificar o impacto que ela causa em cada área, tomando decisões coerentes com o todo; questionamentos: sempre busca os porquês das coisas, não se contenta com os padrões estabelecidos; busca de conhecimento:encontrar respostas para o que ainda não conhece.

Contudo, nada disso é novo. Nenhuma dessas exigências não é humana.

Para tanto, basta-nos ler o curriculum de um profissional antigo, feito há muito tempo. Seu nome: Leonardo da Vinci, pedia à época emprego a Ludovico, constando dele, muito resumidamente, o seguinte:

1) Projetei pontes extremamente leves e resistentes (também desenvolvi métodos para incendiar e destruir as pontes do inimigo);
2) Sei como, durante um cerco, tirar água de fossos e construir caminhos e maquinas para tais expedições;
3) Tenho métodos para destruir qualquer fortaleza;
4) Projetei canhões;
5) Quando a batalha se der no mar tenho vários tipos de máquinas eficientes para ataque e defesas;
6) Conheço maneiras de escavar sem fazer barulho, tuneis subterrâneos;
7) Construo indestrutíveis carruagens;
8) Onde os bombardeios não funcionam posso projetar catapultas, manganelas, estrepes e outros dispositivos eficazes;
9) Em paz posso perfeitamente aceitar o desafio de me equiparar a qualquer outro em arquitetura de edifícios. Além disso, sei esculpir em mármore, bronze e argila (Leonardo da Vinci, Walter Isaacson).

Os desafios estão postos. O Lobo do ChatGPT não é um Lobo. É uma ferramenta para o ato de inventar do ser humano (não do “aprendizado” da máquina/algoritmo). Para o além do linear. Para o aprendizado ativo e não passivo. Para compreensão e trato do novo.

Temos, pois e então, apenas duas opções. Chorar ou vender lenços.

Bora colocar preço nos lenços!

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Academia

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