Elaborada no final de 1942, para ser aprovada em maio de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não poderia profetizar formas de contratos, ofícios e profissões que surgiriam décadas depois, como exigências da economia em constantes transformações. Foi o que se deu com a terceirização, o trabalho temporário, a pejotização, o Uber, o trabalho à distância.
Afinal, a vida não se deixa aprisionar nas malhas da legislação. O legislador, porém, para não se distanciar da realidade, deve observar, analisar e acompanhar a evolução incessante das relações sociais, econômicas, do desenvolvimento cultural e científico.
Nas décadas de 1930/1940, estarrecidos diante da barbárie causada pela Segunda Guerra Mundial, os países neutros procuravam se defender com medidas do isolamento. O fenômeno da globalização, provocado pelo desaparecimento dos fatores espaço e tempo (Eric Hobsbawm), daria os primeiros passos a partir da década de 1970. Antigos mercados asiáticos, antes pobres, isolados, e desconhecidos no Ocidente, em uma década passaram por extremas alterações. Expandiram-se e enriqueceram, como ocorreu com a China, Coréia do Sul, Singapura, o que não aconteceu no Brasil subdesenvolvido, preso às amarras da economia atrasada, fechada e superprotegida.
Com mais de 80 anos de vida, a CLT resiste à modernização. Disso resulta o perverso fenômeno da extrema litigiosidade nas relações individuais e coletivas de trabalho. Não bastasse, preserva a estrutura sindical pelega, decalcada do modelo corporativo fascista da Carta Del Lavoro.
Terceirização, pejotização, uberização, trabalho temporário, trabalho à domicílio, são consequências inevitáveis da nova economia, baseada nos princípios de liberdade de escolha, da valorização da livre iniciativa, do incremento da produtividade e da eficiência.
Na definição do art. 2º, da CLT, as empresas compõem espécie desconhecida de massa homogênea. Conforme reza a norma legal, não existem diferenças entre aquelas que exercem atividades lucrativas e as associações culturais, recreativas e os profissionais liberais, tampouco entre micro, pequenas, médias e grandes sociedades. O art. 3º da CLT, por sua vez, define empregado como “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Alheio ao mundo real, o parágrafo único se recusa a distinguir a natureza do emprego e a condição do trabalhador, entre o trabalho intelectual, técnico e manual. A fuga à realidade resultou do desejo de amparar hipotéticos hipossuficientes, independentemente da profissão exercida, do salário pago, das condições sociais, financeiras, culturais dos empregados.
Ambas as definições foram construídas com os olhos fechados aos fatos, com nítidos objetivos paternalistas, em benefício de imaginária figura do trabalhador semi- incapaz. embora plenamente apto para o exercício dos direitos civis ao completar 18 anos, como diz o art. 5º do Código Civil. Poderá se casar, divorciar-se, concorrer a cargo público, ser eleitor, empregador, ter conta bancária, fazer empréstimos, apostar, eleger-se vereador, ser coach, influencer ou apenas vadiar.
Para robustecer a proteção ao suposto hipossuficiente, o art. 9º concede ao juiz a liberdade para interpretar os fatos e concluir que o empregador, ao cumprir o contrato escrito ajustado com o empregado, assim o fez com o objetivo de impedir ou fraudar a aplicação da CLT.
Da livre presunção de fraude se alimenta o combate à terceirização, à pejotização, à uberização, a toda e qualquer forma de serviços não estritamente regulamentados pela Consolidação. Alterações bilaterais são permitidas, desde que, na interpretação do Judiciário, não traga prejuízos diretos ou indiretos (sic) ao empregado
Na moderna economia, não vejo qual o interesse do empregador lesar colaboradores e atrair inevitável intervenção do Ministério Público ou da Justiça do Trabalho. Com as atenções voltadas a mercados competitivos, tratam de manter saudável ambiente interno e garantir condições compatíveis com os objetivos da empresa. Para isso será indispensável a colaboração de mão de obra recrutada, treinada e remunerada de acordo com a qualificação profissional.
Registre-se que o jovem dos nossos dias tem revelado pouco interesse em permanecer estável no mesmo emprego ao longo da vida. O mercado está ávido e necessitado de pessoas especializadas. Ele sabe que o sucesso depende de esforço pessoal e constante requalificação. Assim se explicam o crescimento do trabalho informal e a dessindicalização, surgidos nos países altamente industrializados, já em marcha acelerada no Brasil.
Mudança é a lei da economia. Deve ser respeitada. A CLT prestou bons serviços ao longo dos anos. E o momento de se buscar legislação nova, sintonizada com a sociedade robotizada e informatizada, quando já se fazem presentes os insondáveis desafios da Inteligência Artificial.