O alfinete chinês

18/11/2024

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Por Almir Pazzianotto Pinto

Tendo necessidade de alfinetes para trabalhos de costura, mas encontrando dificuldades para procurar lojas de aviamentos – hoje quase desaparecidas – minha senhora recorreu à ajuda eletrônica. Conseguiu comprá-los pela internet.

Quinze dias passados foram entregues no apartamento duas pequenas caixas de plástico, cada uma com 100 alfinetes. Fiquei curioso. Examinei o conteúdo do papel impresso colado ao envelope e li: “Made in China. 100PCs. Color Round Head Sewing Pins. 38mm. Glass Ball Positionings Pins. DIY Dressmaldng Jewelry Deco Sewing Accessories#Collor:E”. Pagou R$ 20,00, mais os impostos no valor de R$ 9,00.

Não se surpreenda, paciente leitor. Chegamos à perfeição. Diante das dificuldades enfrentadas pelo industrial brasileiro, sobrecarregado pela trama de formalidades burocráticas, pesados impostos, juros extorsivos, encargos trabalhistas, previdenciários, e tempestades de incertezas jurídicas, não conseguimos concorrer com a velha China na produção de alfinetes.

Se no passado produzíamos alfinetes e agulhas, não sei. Lembro-me, entretanto, da fábrica Vigorelli, de máquinas de costura, estabelecida em Jundiaí, já desaparecida, como milhares de outras, incapazes de suportarem a concorrência de produtos importados da China, Japão, Singapura, Coréia do Sul, Bangladesh, Índia, Paquistão.

Pesquise na internet e encontrará à venda brincos, pulseiras, colares, talheres, meias, chinelos, caixas plásticas, bolsas, camisas polo, lingerie, utensílios para cozinha, furadeiras elétricas, gorros, lâminas para barbear, capas para sofás, tapetes, tesouras, guarda-chuvas, sombrinhas, agasalhos, chapéus, baterias e milhares de outros itens que poderiam ser produzidos aqui, com matéria prima e operários brasileiros.

Acredito que produzir alfinetes independe da tecnologia de última geração. Se alguém resolver investir, instalando pequena fábrica, bastarão o arame, galpão na periferia, e modesto maquinário adquirido no exterior. Antes, porém, de conseguir fazer a primeira venda, o empreendedor satisfez obrigações com registros oficiais diversos, impostos, taxas, alvarás, vistorias, licenças, salários, férias de 30 dias mais um terço, 13º salário, horas extras com adicional de 50% ou 100%, FGTS, Previdência Social, adicional insalubridade, convênio médico, vale transporte, vale refeição. Deverá manter equilíbrio entre empregadas e empregados, e observar as exigências relativas a admissão de aprendizes e portadores de necessidades especiais.

Para evitar o risco de violar a Constituição, e milhares de leis trabalhistas, previdenciárias e tributárias, federais, estaduais e municipais, dependerá de bons advogados e de escritório de contabilidade. O departamento de recursos humanos deverá ter à disposição edição atualizada da CLT, com toda legislação suplementar, jurisprudência do TST e do STF, e Normas Regulamentadoras aprovadas pelo Ministro do Trabalho.

Neste país, ser industrial exige extrema coragem. Seria a explicação para o fato de importarmos quase tudo que poderia ser feito aqui, com boa qualidade e preços competitivos? A importação de alfinete parece-me injustificável, a menos que seja impossível fabricá-lo com preço correspondente ao do produto chines. Meu relógio de pulso Casio, usado diariamente, é “made in Thailand”, pode ser adquirido por R$ 217,00. O automóvel, com 15 anos de uso, é japonês. A almofada térmica, utilizado para aliviar as dores na coluna, de fabricação chinesa. Chineses são, também, a capa de chuva, o tênis para caminhadas, o aparelho de barbear elétrico, o rádio de cabeceira, o pijama, o cachecol, a gravata, o suéter.

O PIB brasileiro vem sendo impulsionado pelo agronegócio e exportação de minérios em estado bruto, sobretudo ferro e cassiterita. A desindustrialização não pode ser debitada aos empresários. Responsáveis são o custo Brasil, a inflação, as elevadas taxas de juros, a insegurança jurídica provocada milhões de conflitos fiscais, previdenciários e, sobretudo, trabalhistas, estimulados pela assistência judiciária gratuita.

O pequeno alfinete chinês, de cabeça vermelha, simboliza o nosso atraso.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Academia

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