A fatura chegou

20/09/2024

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Por Almir Pazzianotto Pinto

                                    A fatura chegou, com juros de agiota e asfixiante correção monetária. Não há como fugir e se esconder. Só nos resta chorar. Inundações, secas prolongadas, ar poluído, doenças respiratórias, extinção de espécies vegetais e animais, pandemias, moléstias desconhecidas, poluição intensa e generalizada, mudanças climáticas, são resultados inevitáveis da conduta predatória do ser humano. “O pior gado de guardar é o homem”, sentenciou o pe. Antônio Vieira no Sermão de São Gonçalo (Sermões, vol. VI).

                                    Desde a descoberta por Pedro Alvares Cabral, em 1500, portugueses e brasileiros, de todas as origens e nacionalidades, outra coisa não fizeram senão destruir sistematicamente o paraíso aqui encontrado, à caça insaciável de riqueza.

                                    Começaram aprisionando, escravizando e matando povos indígenas. Para que? Para nada. Avançaram pelo interior na busca de ouro, prata, gemas preciosas, em benefício da Coroa Portuguesa e da Casa Real da Inglaterra, até verem exauridas as jazidas encontradas,

                                    O primeiro objeto de irrefreável cobiça foi o pau-brasil. Em Viagem à Terra do Brasil, Jean de Lery, um dos primeiros viajantes europeus a visitar a nova Colônia, escreveu no capítulo relativo a arvores, ervas, raízes e frutos silvestres: “Devo começar pela descrição de uma das árvores mais notáveis e apreciadas entre nós por causa da tinta que dela se extrai: o pau-brasil, que deu nome a esta região. Essa árvore, a que os selvagens chamam arabutan, engalha como o carvalho das nossas florestas e algumas há tão grossas que três homens não bastam para lhe abraçar o tronco” (Martins Editora, SP, 1960,151).

                                    Outros viajantes da mesma época, como Charles-Marie de La Condamine, autor de Viagem pelo Amazonas 1735-1745, (Ed. Nova Fronteira-Edusp, SP, 1992); Spix e Martius; Viagem pelo Brasil 1817-1820 (Ed. Melhoramentos, SP, 2ª ed.); João Antonio Andreoni, Antonil, Cultura e Opulência do Brasil (Cia. Ed. Nacional, SP, 1967); descreveram o Brasil ignorado pelas últimas gerações. Recomendo, também, três livros recentes: Jari – 70 Anos de História, de Cristóvão Lins (Patrocínio Fundação Horsa) e Jari – Um Banco Genético para o Futuro, de Sérgio da Cruz Coutinho e Maria Joaquina P. Pires (Imago Editora, RJ, 1996), e O Rio da Dúvida – A Sombria Viagem de Theodoro Roosevelt e Rondon pela Amazônia, de Candice Millard (Companhia das Letras, SP, 2007).

                                    A ganância de colonos portugueses provocou a rápida extinção do pau-brasil. Dele restaram poucos exemplares, como testemunhas mudas de desabrida devastação. Extintos, também, ou em acelerado processo de extinção, se encontram a aroeira, angico, cedro, jequitibá, pau-rosa, pau-ferro, pau-marfim, cerejeira, imbuia, jacarandá, cabriúva, cambará, castanheira, gonçalo-alves, ipê, jatobá, angelim pedra, tento-amarelo, jacarandá-da-bahia, mogno, peroba-rosa, cedro-rosa, maçaranduba, cumaru, cumaruzinho, itaúba, palmito, buriti, copaíba, freijó, caixeta, genipapo, jaboti, guariúba, faieira, andiroba, acapu, jitó, umiri, ucuúba-do-igapó, guarabu, guarantã, sucupira, amapá.

                                    Dois ambiciosos projetos de desenvolvimento envolveram a vasta região amazônica. O projeto agroindustrial lançado em 1927 às margens do Rio Tapajós, pelo industrial americano Henry Ford (1863-1947), com o nome de Fordlândia. Após investimentos da ordem de dezenas de milhões de dólares, o projeto foi derrotado pela floresta sendo abandonado em 1945. Destinava-se à produção de borracha, para fabricação de pneus. Dele restam galpões, casas e sucatas de equipamentos. Melhor sorte, apesar de acidentada história, colheu o projeto Jari, levado a efeito pelo biliardário americano Daniel Keith Ludwig (1897-1992) descrito nos dois livros-documentos acima citados.

                                    Malograram a construção da Ferrovia Madeira-Mamoré, conhecida como Estrada do Diabo, com 366 km de extensão, iniciada em 1907, concluída em 1917 e desativada em 1967, e a abertura da Rodovia BR 230, denominada Transamazônica, obra do regime militar.

                                    Apesar da importância para o mundo, a região Amazônica é mal defendida contra a devastação por garimpos ilegais, grileiros, posseiros, madeireiros, mineradores, narcotraficantes. Governos estaduais são incapazes de protegê-la de mãos criminosas. A perversa combinação entre longos períodos de seca, queimadas e omissão criminosa, provoca prejuízos irreparáveis para o meio ambiente em todo o território nacional, com reflexos na América do Sul e no mundo. Em agosto, 5,6 milhões de hectares de mata foram destruídos. Em 2024, 11,4 milhões já foram devastados (O Estado, 16/9, pág. A18).  

                                    Exceto rápidas aparições, para ser fotografado, o presidente Lula é omisso. Se consultar a Constituição encontrará recursos válidos para preservar ou restabelecer a ordem pública e a paz social, comprometidas “por calamidades de grandes proporções na natureza” (art. 136).

                                    Bastará querer.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Academia

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