COMENTÁRIOS À LEI 14.611/23 E AO DECRETO N. 11.795/2023 QUE A REGULAMENTOU.

27/11/2023

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Por José Alberto Couto Maciel

            A LEI 4.611/23 dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens e em seu artigo 1º esclarece que tem como objetivo essa igualdade na realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função, alterando    o artigo 461  da  Consolidação das Leis do Trabalho.

            É interessante que em seu artigo 2º dispõe que a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função é obrigatória e será garantida nos termos da lei, o que sempre foi .

            Efetivamente o artigo 461 da CLT já está em vigor faz algumas dezenas de anos e visa evitar a discriminação entre dois empregados buscando o salário isonômico na empresa, considerado aquele devido aos empregados que exerçam função idêntica, com as características do citado artigo, abrangendo todo o trabalhador, homem ou mulher.

            Então a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para trabalho de igual valor, no exercício da mesma função sempre foi obrigatória e sempre foi garantida nos termos da lei sendo que o que se  deve evitar é a discriminação no trabalho.

            No artigo 3º a Lei cria os  parágrafos  6º e 7º ao artigo 461 da CLT.  O parágrafo 6º criado, altera o parágrafo 6º já existente, mas não o revoga, existindo na Lei dois parágrafos sextos sendo que  novo assim expressa:

            “Na hipótese de discriminação por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, o pagamento das diferenças salariais devidas ao empregado discriminado não afasta seu direito de indenização por danos morais, consideradas as especificidades do caso concreto.”

            Mas vejam, se existe a possibilidade de aplicação do artigo 461 da CLT para equiparar mulheres, E SEMPRE EXISTIU, a ação judicial terá como objetivo verificar a existência dos requisitos existentes. Se comprovados equipara-se, mas para aplicação do dano moral terá de ser comprovada, judicialmente, a discriminação com relação ao sexo, ou seja, tem de ser observada sempre a existência de discriminação.

            Isto porque a diferença remuneratória não significa sempre discriminação pois muitas vezes há quadro carreira devidamente homologado, há diferença no tempo em relação à função ou ao tempo de serviço, ou há mesmo interesse da mulher em trabalhar horário reduzido em razão de cuidados com filhos, ou seja, há inúmeras hipóteses pelas quais não cabe a equiparação salarial, o que vai ser determinado, se conflito houver, pela Justiça do Trabalho, não havendo razão para aplicação de dano moral caso não seja comprovada a discriminação.

            Da mesma forma estabelece o parágrafo 7º:

            “Sem prejuízo do disposto no parágrafo 6º no caso de infração ao previsto neste artigo a multa de que trata o artigo 510 da CLT corresponderá a dez vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado discriminado, elevada ao dobro, no caso de reincidência, sem prejuízo das demais cominações legais”.

            Creio que o referido parágrafo exagera em conceder tal multa no caso de infração ao artigo 461 da CLT porque a multa pode e deve ser aplicada na hipótese de discriminação e não de equiparação, cabível sempre a apreciação judicial.

            O artigo 4º prevê outros meios de garantir a igualdade salarial entre homens e mulheres, além da possibilidade judicial prevista no artigo 461 da CLT, quais sejam:

I Estabelecimentos de mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios;

II Incremento da fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens;

III Disponibilização de canais específicos para denúncias de discriminação salarial;

IV Promoção e implementação de programas de diversidade inclusão no ambiente de trabalho que abranjam a capacitação de gestores de lideranças e de empregados a respeito do tema da equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho com aferição de resultados , e

V Fomento à capacitação e à formação de mulheres para ingresso a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições  com os homens.

            No artigo 5º está prevista a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com cem ou mais empregados, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei 143.709,  O artigo possui quatro parágrafos sendo que os parágrafos 1º e 2o estão regulamentados no Decreto abaixo comentado e o parágrafo 3º cria uma multa de até três por cento da folha de salários do empregador, limitada a cem salários mínimos caso não seja aplicada a referida publicação semestral estabelecida no caput do artigo 5º.

            O parágrafo 4º e o artigo 6º são dirigidos ao Poder Executivo entrando a lei em vigor, conforme artigo 7º, na data de sua publicação.

Quanto à regulamentação da referida Lei está ela disposta no  Decreto  11.79?2023, que  em seu artigo 1º   dispõe sobre o relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios e o plano  de ação para mitigação da desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, afirmando ser aplicável às pessoas jurídicas de direito privado com cem ou mais empregados , que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito.

            Verifica-se que o referido Decreto, em seis artigos, dispõe sobre dois aspectos diversos da igualdade salarial, um relatório e um plano de ação, dizendo que se aplica a pessoas jurídicas de direito privado com cem ou mais empregados, constituídas de fato ou de direito.

Certamente que logo nesse primeiro artigo há um erro crasso porque não existe pessoa jurídica de direito privado constituída de fato. Para ser pessoa jurídica, ainda mais com cem ou mais empregados, tem de ser constituída de direito, pois  a pessoa jurídica de direito privado precisa ser formalmente registrada nos órgãos competentes para passar a existir perante a lei

            No artigo 2º,  item I,   diz  o Decreto o que deve estar contido, em termos de valores, na Classificação Brasileira de Ocupações, bem como as respectivas atribuições .

            Então descreve no ítem II que deverá conter o valor:

  1. do salário contratual; b)do décimo terceiro salário; c) das gratificações; d) das comissões; e) das horas extras; f) de todos os adicionais; g) do terço das férias;

h) do aviso prévio trabalhado: i) relativo ao descanso semanal remunerado; j) das gorjetas; e k) relativo às demais parcelas que, por força de lei ou norma coletiva de trabalho componham a remuneração do trabalhador.

            Ora, bastaria nesse ítem que se afirmasse que nas informações contida na Classificação brasileira de Ocupações contivesse as respectivas atribuições com o valor da remuneração do trabalhador uma vez que, todos s valores, especificados  nas letras a) a k), integram a respectiva remuneração. 

Além do mais, as horas extras ,  adicionais que dependem do tipo de trabalho, e gorjetas, não podem integrar a remuneração para fins de igualdade da remuneração pois são parcelas individuais e dependentes de quem as executa. Podem integrar a remuneração mas não para os fins colimados

Afirma o Decreto, no parágrafo 1º  que haverá um ato do Ministério do Trabalho e Emprego que estabelecerá as informações que deverão constar do Relatório de que trata o caput e disporá sobre o formato e procedimento para o seu envio.

O que diz o referido parágrafo é que o Relatório citado no artigo 1º na verdade será expresso futuramente por um Ato do Ministério do Trabalho e Emprego, ou seja, não está definitivamente regulamentado neste regulamento, sendo que o parágrafo segundo nos seus itens I e II apenas declara que os dados para feitura do Relatório deverão ser anonimizados e enviados pelo computador por meio de “ferramenta informatizada”, ( anonimização é uma técnica de processamento de dados que remove ou modifica informações que ´possam identificar uma pessoa.)

Quanto ao Relatório os parágrafos 3º, 4º e 5º do artigo 2º expressam que o mesmo deverá ser publicado nos sítios eletrônicos das próprias empresas, nas redes sociais ou instrumentos similares, nos meses de março e setembro, podendo o Ministério do Trabalho solicitar às empresas informações complementares às contidas no Relatório.

O que se entende até o final destes artigos 1º e 2º é que as empresas jurídicas privadas com cem ou mais empregados deverão fazer um Relatório, conforme Ato que será publicado pelo Ministério do Trabalho, informando seus cargos e ocupações existentes com os valores específicos de cada remuneração de seus empregados, nele integrando especificamente quais os valores que compõem o salário de cada cargo e enviando de forma anônima.

Esse Relatório será publicado nos meses de março e setembro de cada ano, conforme dispor o referido Ato do Ministério o que, me parece, estar finalizada a primeira parte do Decreto.

O artigo 3º já dispõe sobre a possibilidade de existir desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e  mulheres verificada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Deverão as empresas elaborar e implementar Plano de Ação para Mitigação de Desigualdade salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e |Homens, os quais terão de  estabelecer:

            I medidas a serem adotadas, metas e prazos

            II criação de programas relacionados à :

  1. Capacitação de gestores, lideranças e empregados a respeito do tema da equidade entre mulheres e homens no mercado de trabalho;
  2. Promoção da diversidade e inclusão no ambiente de trabalho, e
  3.  Capacitação e formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.

O parágrafo 1º afirma que na elaboração e implementação do Plano de Ação de que trata o caput deverá ser garantida a participação de representantes de entidades sindicais na forma definida em norma coletiva de trabalho, ou, conforme parágrafo 2º, indicados preferencialmente por meio da comissão de empregados, podendo as empresas entre cem e duzentos empregados, promover procedimento eleitoral específico que garanta a participação de representantes dos empregados, de acordo com o parágrafo 3º.

Com todas as vênias o Decreto, no que se refere ao conhecimento de discriminação entre salários de mulheres e homens, através de relatórios específicos quanto à remuneração de cada um, parece-me que se tornará   irrealizável quando afirma que o Relatório a ser enviado tem de ser anônimo.

 Ora, se é anônimo como poderá se dizer que na empresa há diferenciação de remuneração entre homem e mulher se não se sabe de quem é a remuneração de cada um.

Mas vamos então ultrapassar essa questão, porque nem acredito que se possa imaginar que fichas remuneratórias inominadas possam caracterizar discriminação, e imaginemos que não seja anônimo o Relatório e que há diferenciação de remuneração.

Então pelo artigo 3º terá de haver na empresa um Plano de Ação para mitigar a desigualdade salarial.

Nesse plano tem de haver a capacitação de gestores, lideranças e empregados que entendam do tema equidade entre mulheres e homens no mercado de trabalho.

 “Data vênia” o gestor e o líder não serão empregados? É preciso que entendam de mercado de trabalho na sua generalidade? O ítem a) da criação  de programas citado no inciso II não explica, nem o que vem as ser promoção de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho, (ítem b), como também como capacitar e formar mulheres para o ingresso na ascensão no mercado de trabalho (ítem c) 

Ao meu ver, é evidente que se as mulheres são iguais aos homens e se não há discriminação, não teria de haver Plano de Ação mas simplesmente determinar o Ministério do Trabalho que fosse cumprida a igualdade de remuneração daquelas que trabalham no mesmo cargo ou ocupação dos homens e têm remuneração diferente, não havendo porque criar este Plano.

Entretanto, demonstrando o Decreto que existe discriminação, caberia aos interessados,  ao Ministério Público, ou aos sindicatos profissionais ingressar com ações judiciais de acordo com a nova redação do artigo 461 da CLT

Os artigos 4º e 5º são dirigidos especificamente para o Ministério do Trabalho e Emprego e das Mulheres e o artigo 6º especifica que o Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Concluindo, creio que as empresas privadas com mais de cem empregados devem fazer um Relatório, após publicação de Ato do Ministério do Trabalho e Emprego, nos meses de março e setembro, especificando seus cargos e ocupações e a remuneração , esclarecendo os valores que as integra, de cada empregado, de forma anônima, o que constará do Relatório, e que deverá ser publicado em uma rede social e internamente na empresa.

Se houver diferenciação no mesmo cargo ou ocupação entre homem e mulher, havendo valores inferiores pagos às mulheres, poderá a empresa fazer um  plano de ação, na forma do artigo 3º do Decreto, o qual visa à igualdade remuneratória, ou, penso eu, se houver efetivamente essa diferenciação, fazer de logo a igualdade remuneratória o que evita qualquer outra atuação , devendo, se caracterizada a discriminação , ingressar o empregado, ou o Sindicato profissional,  ou o Ministério Público, com a competente ação judicial de acordo com a nova norma do artigo 461 da CLT.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Academia

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