Consequências jurídicas decorrentes da inexistência da negociação coletiva nas despedidas em massa

14/04/2024

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Por Renato Rua de Almeida

                                            Introdução

                                            Antes do exame propriamente dito das consequências jurídicas decorrentes da inexistência da negociação coletiva nas despedidas em massa, tema de importância especial no direito do trabalho brasileiro atual, mister se faz, numa primeira parte, um estudo da proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa como direito fundamental social catalogado no artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, de modo a justificar especificamente a questão central objeto do presente estudo, qual seja a necessidade imprescindível da negociação prévia entre a empresa empregadora e seus empregados a serem despedidos coletivamente e assistidos pelo respectivo sindicato profissional.

                                            Numa segunda parte, é preciso fazer um exame da decisão plenária do STF com repercussão geral no sentido de que a intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa dos trabalhadores (Tema 638).

                                            Finalmente, numa terceira e última parte, serão então examinadas as consequências jurídicas decorrentes da inexistência da negociação coletiva nas despedidas em massa dos trabalhadores.

                                            A despedida em massa sem negociação prévia implicaria a declaração de nulidade dessa despedida em massa dos trabalhadores e a consequente determinação da reintegração desses mesmos trabalhadores despedidos ou caberia a condenação da empresa empregadora no pagamento de indenização pela prática de uma despedida ilícita ?

                                            I-Proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa como direito fundamental social no ordenamento jurídico brasileiro

                                            O artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal de 1988 consagra a proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.

                                            No entanto, pelo sistema constitucional brasileiro, nos termos do artigo 5º, § 1º, do texto constitucional, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

                                            Portanto, seja em relação aos direitos individuais, de primeira geração ou dimensão, seja em relação aos direitos sociais, de segunda geração ou dimensão, como na espécie catalogada constitucionalmente da proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, as normas constitucionais protetoras têm aplicação imediata no ordenamento jurídico brasileiro, mesmo que o texto constitucional, como na espécie, preveja a regulamentação por lei complementar.

                                            De fato, não seria lógico dizer que a efetividade desse direito fundamental social em comento só ocorreria com a promulgação de lei complementar, já que decorreram quase 36 anos da aprovação do texto constitucional sem essa regulamentação.

                                            Com efeito, se a eficácia de um direito fundamental dependesse exclusivamente de uma legislação infraconstitucional que o implementasse, correr-se-ia o risco de que a omissão do legislador ordinário teria mais força eficacial do que a ação do legislador constituinte.

                                            Por outro lado, é oportuno esclarecer que tanto a doutrina brasileira quanto a do direito comparado de países da União Europeia, especialmente a França, Itália, Portugal e Espanha, ensinam que a despedida sem justa causa corresponde à despedida individual e a despedida arbitrária à coletiva.

                                            Aliás, o artigo 477-A da CLT, com a redação dada pela Lei da Reforma Trabalhista de 2017, pretendendo regulamentar o artigo 7º, inciso I, do texto constitucional, ainda que de forma inconstitucional, por se tratar de lei ordinária e não complementar, utiliza as expressões despedida individual e despedida coletiva, como sendo respectivamente despedida sem justa causa e despedida arbitrária, consagrando-as, pois, no nosso direito positivo consolidado.

                                            É importante dizer que, pela doutrina do direito constitucional e do direito internacional, os chamados direitos humanos, previstos em tratados internacionais, foram internalizados nas Constituições como direitos fundamentais, assim ocorrendo com a alemã de 1949, a portuguesa de 1976, a espanhola de 1978 e a brasileira de 1988.

                                            Por essa razão, esses direitos e garantias fundamentais são denominados por Robert Alexy mandamentos de otimização, vale dizer eles se beneficiam da máxima efetividade, nos termos do já citado artigo 5º, inciso I, do texto constitucional brasileiro, e, com maior clareza, segundo J. J. Gomes Canotilho, no artigo 18, inciso I, da Constituição da República Portuguesa, isto é, são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.

                                             Na República Federativa do Brasil, desde a promulgação da Constituição de 1988 a proteção da relação emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa foi parcial, nos termos do artigo 10, inciso I, do ADCT, do texto constitucional, pois limita a referida proteção a uma questão meramente indenizatória e mesmo assim insuficiente para inibi-la.

                                            Com efeito, ficou previsto no mencionado artigo 10, inciso I, da ADCT, que a proteção referida no artigo 7º, inciso I, do texto constitucional, até que lei complementar seja aprovada, quando fixará indenização, que fica limitada ao aumento para quatro vezes da porcentagem prevista no artigo 6º, caput, e parágrafo 1º, da Lei nº 5.107, de 13/9/1966, vale dizer de 10% para 40% calculados sobre os depósitos do fundo de garantia por tempo de serviço feitos pelo empregador, a título de indenização compensatória e provisória de natureza trabalhista.

                                            Portanto, seja no que concerne à hipótese da despedida individual sem justa causa, seja da despedida arbitrária coletiva, a indenização provisória prevista pelo ADCT é insuficiente para impedir a abusividade contra elas eventualmente praticada pelo empregador.

                                            No que concerne à proteção contra a abusividade da despedida individual como direito fundamental social, pode-se dizer que a técnica protetiva constitucional é indireta e mediata nas hipóteses das figuras do venire contra factum proprium e da culpa post pactum finitum, violadoras da boa-fé objetiva na relação de emprego, na conformidade dos artigos 187 e 422 do Código Civil de 2002 aprovado sob a égide da Constituição Federal de 1988, cuja reparação é de natureza indenizatória pelo ilícito praticado, em cumprimento, nunca é demais repetir, do conteúdo do artigo 5º, § 1°, do texto constitucional, como decorrência da aplicação do princípio constitucional republicano da solidariedade, previsto pelo artigo 3º, inciso I, do mesmo texto constitucional, conforme doutrina dos juristas gaúchos Ingo Wolfgang Sarlet e Judith Martins-Costa e que foi trazida para a seara trabalhista pelos juristas Arion Sayão Romita, do Estado do Rio de Janeiro, e Aldacy Rachid Coutinho, do Estado do Paraná.

                                            Em relação à abusividade na despedida coletiva, ela ocorreria na hipótese em que a empresa empregadora deixasse de informar aos trabalhadores e à respectiva entidade sindical da categoria profissional os motivos de ordem econômica ou financeira respectivamente de natureza conjuntural ou estrutural.

                                            Tal se justifica pelas consequências sociais de maior complexidade em relação ao desemprego provocado, além de que o fato jurídico da motivação concerne ao empregador, que deve informá-lo previamente à parte contrária e seus representantes antes da consumação da ruptura em massa dos trabalhadores, na tentativa de uma solução negociada.

                                            Diferente, portanto, da despedida individual sem justa causa, que é ato unilateral potestativo e lícito do empregador, cuja validade só dependeria de informação prévia ao empregado na hipótese de despedida com justa causa, consistente em suposto ato jurídico contratual unilateral e ilegal do empregado, para a garantia do exercício de seu direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa como trabalhador-cidadão, denominação essa cunhada por Palomeque.

                                            Essa exigência do direito ao acesso à informação nas relações jurídicas está prescrita no artigo 5º, inciso XIV, do texto constitucional brasileiro, como regra jurídica e não como simples princípio normativo de direito fundamental de primeira geração, pelo que tem maior eficácia e não depende de ponderação, face a outros valores constitucionais para sua aplicação com o exame fático e jurídico na hipótese de despedida em massa.

                                            Ora, como visto, a efetividade do direito ao acesso à informação da motivação da despedida em massa traria como consequência lógica a negociação entre as partes com a presença sindical profissional na tentativa de substituir o mal maior da ruptura contratual em massa dos trabalhadores pelo mal menor de uma possível manutenção dos empregos ainda que com algumas restrições contratuais.

                                            Essa manutenção dos empregos poderia ocorrer, por exemplo, com medidas negociadas como a concessão de férias coletivas (I), ou também com a suspensão do contrato de trabalho, implicando a não prestação de serviço e pagamento de salário, mas com recebimento em substituição pelos trabalhadores de ajuda de custo paga pelo órgão público competente, desde que esses trabalhadores se matriculassem em cursos de formação profissional (II), ou ainda com a redução da jornada de trabalho e a respectiva redução do salário durante período limitado legalmente (III).

                                            Caso a despedida em massa se mostrasse indispensável com a exibição de provas da motivação pela empresa empregadora, para evitar outro mal maior que seria a falência da empresa e o desemprego de todos os trabalhadores, tentar-se-ia então, pelos mecanismos da negociação direta com os trabalhadores e respectivo sindicato profissional, ou mesmo pelas formas privadas de mediação ou arbitragem, a busca da redução do número dos despedidos, e, em caso dela mostrar-se impossível para sanar a crise econômico-financeira da empresa, fosse então elaborada lista dos despedidos, poupando aqueles trabalhadores casados com prole, dando preferência para a despedida aos já aposentados e aos mais jovens sem prole.

                                            Portanto, a interpretação sistemática dos artigos 7º, inciso I, e 5º, inciso XIV, ambos da Constituição Federal de 1988, combinados com o artigo 5º, § 1º, também do texto constitucional, este sobre a imediata efetividade do direito fundamental em comento, levaria à indispensável unidade constitucional preconizada pelo jurista constitucionalista português Jorge Miranda em matéria de proteção contra a despedida arbitrária coletiva, como direito fundamental social e trabalhista de segunda geração.

                                            Ademais, expressaria aquilo que Alain Supiot – com base na lição de Habermas – afirma ser o direito contemporâneo mais regulatório entre as partes e menos originário da regulamentação heterônoma do Estado, que na seara trabalhista se efetiva pela informação e pela negociação coletiva, conforme as Convenções ns. 98 e 154, da OIT, ambas ratificadas pelo Brasil, e pelo direito fundamental social e sindical que tem legitimada sua participação nas relações coletivas de trabalho, nos termos dos artigos 7º, inciso XXVI, e 8º, inciso III, ambos da Constituição Federal de 1988.

                                            Aliás, esse sistema de informação e negociação prévia nas despedidas coletivas é norma prevista pela Convenção n. 158 da OIT e pela legislação comparada dos países membros da União Europeia, em decorrência de diretivas aprovadas pelo Parlamento Europeu nesse sentido.

                                            É importante também saber que a hipótese em comento não se trata de uma negociação coletiva no sentido estrito, quando, por meio dos instrumentos da convenção ou acordo coletivo de trabalho, é prevista a melhoria da condição social do trabalhador, como preconizado pelo caput do artigo 7º e seus incisos VI, XIII e IX, do texto constitucional brasileiro, sendo então indicadas expressas contrapartidas recíprocas, cujos contratos individuais de trabalho estão em curso, nos termos do artigo 611-A, da CLT, com a redação dada pela lei da Reforma Trabalhista de 2017, mas significa a presença sindical na defesa dos direitos e interesses individuais e coletivos dos trabalhadores inclusive quando despedidos em massa, como na presente hipótese, a teor do artigo 8º, inciso III da Constituição Federal de 1988.

                                            A propósito, a doutrina desse especialista alemão em ciência geral do direito e em direito civil, Cláus-Wilhelm Canaris, sobre a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas teve por base decisão do Tribunal Constitucional Alemão, ao reconhecer a dimensão objetiva e a eficácia horizontal do direito fundamental da liberdade de expressão nas relações privadas (Drittwirkung), no julgamento do famoso caso Luft.

                                            Essa irradiação dos direitos fundamentais nas relações privadas na busca de eficácia justifica-se pelo fato de que, ainda segundo Canaris, as Constituições, em princípio, não são o lugar correto nem habitual para regulamentar as relações entre cidadãos individuais e pessoas jurídicas, consistindo, pelo contrário, tarefa específica do direito privado.

                                            Portanto, uma vez encerrada essa primeira parte sobre o estudo da relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa como direito fundamental social brasileiro, passa-se a seguir, de forma mais sucinta, ao exame da decisão plenária com repercussão do STF sobre a necessidade da negociação coletiva prévia para a despedida em massa dos trabalhadores (Tema nº 638) como medida de decisão judicial assegurando a efetivação do núcleo essencial do direito fundamental social da proteção contra a despedida em massa dos trabalhadores.

                                            II-Decisão plenária com repercussão geral do STF sobre a necessidade da negociação coletiva prévia para a despedida em massa dos trabalhadores (Tema 638)

                                            A Empresa Brasileira de Aeronáutica-Embraer, sediada em São José dos Campos, no Estado de São Paulo, alegando que a crise econômico-financeira ocorrida em 2008 nos Estados Unidos afetou o mundo à época, em razão do fenômeno da globalização, trouxe implicações severas para a sua saúde financeira, pelo que se viu obrigada a efetuar a despedida em massa em torno de 4.400 (quatro mil e quatrocentos ) empregados de um total de 22 (vinte e dois) mil, isto é, expressivos 20% da totalidade de seus trabalhadores.

                                    O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região, tendo como assistente litisconsorcial o Sindiaeroespacial (empregados técnicos), ingressou perante a SDC do TRT da 15ª Região (Campinas) com dissídio coletivo de natureza jurídica, sob o fundamento de que a empresa Embraer não teria buscado antes da despedida em massa uma negociação coletiva prévia com os trabalhadores despedidos e seu respectivo sindicato profissional, quando deveria apresentar e comprovar os motivos de natureza econômico-conjuntural e financeiro-estrutural, pelo eu pleiteou judicialmente a nulidade da despedida de todos os trabalhadores, bem, como, consequentemente, sua reintegração no emprego, tudo com fundamento no artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal, que, a seu juízo protegia a relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, além da fundamentação de outros fundamentos constitucionais, legais e normas internacionais sobre a matéria.

                                             Pelo acórdão 333/2009 nos autos do processo TRT/Campinas da 15ª Região nº 00309200900015004-DC, a Sessão de Dissídio Coletivo do TRT da 15ª Região, Campinas, no Estado de São Paulo, houve por bem indeferir o pedido de nulidade com reintegração dos trabalhadores, em razão de que, a seu ver, as consequências jurídicas do artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal, dependiam de regulamentação por lei complementar.

                                            No entanto, no mérito, a SDC do TRT da 15ª Região, Campinas decidiu à unanimidade pelo teor do voto do relator, desembargador José Antonio Pancotti, que, com base na doutrina pós-positivistas dos expressamente citados constitucionalistas Robert Alexy, Ronald Dworkin e Paulo Bonavides, este então professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, bem como na doutrina trabalhista dos também expressamente citados professores paulistas Renato Rua de Almeida, então professor da Faculdade de Direito da PUC-SP, e Amauri Mascaro Nascimento, então professor da Faculdade de Direito da USP, houve por bem declarar abusiva a despedida em massa dos trabalhadores, por falta de informação da motivação da despedida em massa e também por falta de negociação prévia, com violação do artigo 422 do Código Civil de 2002, bem como houve por bem condenar a suscitada Embraer a indenizar cada empregado despedido coletivamente com pagamento de duas indenizações no valor cada qual de um salário mensal respondente a um mês de aviso prévio.

                                            Da decisão regional, houve interposição de recurso ordinário para a SDC do Tribunal Superior do Trabalho, que tramitou sob o Proc.-RO-DC -309/20092009-000-15-00, cujo acórdão ED-RODC 30900-12.2009.5-15.0000, publicado em 04/09/2009, houve por bem decidir, por maioria, afastar a declaração de abusividade e indeferir a reintegração pleiteada, vencido o relator Ministro Maurício Godinho Delgado, acompanhado pela Ministra Kátia Arruda, sob o fundamento de falta de regulamentação por lei complementar das consequências jurídicas do artigo 7º, inciso I, do texto constitucional brasileiro de 1988.

                                            A propósito, o voto vencido do relator Ministro Maurício Godinho Delgado, acompanhado pelo voto da Ministra Kátia Arruda, entre outros fundamentos, valeu-se expressamente também da doutrina trabalhista dos também citados expressamente professores de São Paulo Renato Rua de Almeida e Amauri Mascaro Nascimento e da doutrina constitucional do professor citado Paulo Bonavides do Ceará, além de outros fundamentos jurídicos e legais.

                                            Portanto, essa visão pós-positivista desses dois Ministros vencidos do TST, no tocante à declaração de abusividade da despedida coletiva sem prévia tentativa de negociação coletiva com as consequências jurídicas pertinentes, evidenciando a ideia da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais sociais nas relações do trabalho, foi suplantada por uma maioria de Ministros do da SDC do TST que, em 2009, ainda professava uma ideia positivista do direito, em que a interpretação do direito só seria permitida dentro do princípio de uma legalidade estrita, mesmo que contrariasse valores de justiça, desconsiderando, pois, a moderna filosofia de direito natural do jurista francês Michel Villey, tendo em vista a busca da efetivação do justo objetivo nas relações sociais.

                                            No entanto, a SDC do TST, ainda assim, por simples maioria, fixou a premissa de que a negociação coletiva seria, doravante, imprescindível para despedida em massa dos trabalhadores.

                                            Esse Leading Case fixado pelo TST passou a ser respeitado com sucesso por mais de dez anos pelos Tribunais Regionais do Trabalho da Justiça do Trabalho, desde sua publicação, com a garantia dos empregados e do respectivo sindicato do direito ao acesso à informação da motivação da despedida em massa e à negociação coletiva prévia à consumação dessas despedidas em massa, na tentativa de serem encontradas soluções menos traumáticas que a despedida para os trabalhadores.

                                            Da decisão da SDC do TST, houve interposição de recurso extraordinário pela empresa Embraer ao STF, que tramitou sob o número Recurso Extraordinário (RE) nº 999.435, sob a relatoria do então Ministro Marco Aurélio.

                                            Na sessão plenária de 08 de junho de 2022, por folgada maioria, vencido o relator Ministro Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso extraordinário da empresa Embraer para afastar a decisão da SDC do TST, o STF fixou a tese (Tema nº 638), a seguir explicitada, a partir da divergência aberta pelo Ministro Roberto Barroso, após terem sido proferidos os votos dos Ministros Alexandre de Morais, Nunes Marques e Edson Fachin, todos convergentes com o voto do relator Ministro Marco Aurélio na sessão extraordinária anterior de 20 de maio de 2022, sendo certo que o Ministro Alexandre de Morais reviu o teor de seu voto, já na sessão seguinte do dia 08 de junho de 2022, passando a acompanhar a maioria formada em torno do brilhante voto divergente e vencedor do Ministro Roberto Barroso.

                                            Talvez seja oportuno e em homenagem à verdade dos fatos ocorridos durante esse julgamento do plenário do STF informar que este expositor, na sessão telepresencial do dia 20 de maio 2022, como advogado inscrito do sindicato profissional litisconsorte, Sindiaeroespacial (trabalhadores técnicos da empresa Embraer), sustentou oralmente, trazendo argumentos que foram aproveitados pelo voto divergente e vencedor do Ministro Roberto Barroso, que, como visto, abriu a divergência vitoriosa em relação ao voto vencido da relatoria do Ministro Marco Aurélio, até então acompanhado por 3 (três) Ministros, na sessão extraordinária seguinte do dia 08 de junho de 2022, conforme ele próprio explanou e que consta da gravação da sessão em comento.

                                            A tese (Tema nº 638) do voto vencedor com repercussão geral fixa o entendimento de que a intervenção sindical profissional prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, não se confundindo com a autorização prévia por parte da entidade sindical ou com a celebração de convenção ou acordo coletivo de trabalho.

                                            Em sua decisão plenária com repercussão geral, o STF entendeu que a matéria é meramente procedimental, constituindo apenas um pressuposto a ser cumprido pela empresa em razão da boa-fé objetiva e seus deveres anexos de informar e negociar, conforme disposto nos artigo 187 e 422 do Código Civil e em atenção à lição da jurista gaúcha Judith Martins-Costa em sua obra A boa-fé no Direito Privado (Editora Saraiva), cuja tese foi citada expressamente no voto divergente e vitorioso do Ministro Roberto Barroso e no voto também divergente da Ministra Rosa Weber, quando então tornaria legítimo e eficaz o ato unilateral da despedida em massa, caso não resultasse da negociação coletiva outra solução que não fosse a despedida em massa dos trabalhadores.

                                            Essa decisão paradigmática do STF significa, portanto, que não poderá ocorrer a despedida em massa dos trabalhadores sem a negociação coletiva prévia entre a empresa e o sindicato profissional da respectiva categoria profissional desses trabalhadores despedidos.

                                             Essa negociação coletiva -expressão polissêmica – deve ser entendida, como visto na primeira parte, na informação da empresa aos trabalhadores despedidos e seu sindicato profissional sobre a causa objetiva de ordem econômica ou técnica que justificasse a despedida em massa de trabalhadores em proporção à real necessidade empresarial, compreendendo a seguir a tentativa da sua substituição por soluções menos dramáticas que a despedida em massa ou então, caso fosse de todo inviável essa solução alternativa, como já visto, a construção de uma relação dos despedidos em que fossem protegidos, por exemplo, aqueles trabalhadores com prole ou mais próximos da aposentadoria.

                                            Por fim, deve-se dizer que essa decisão com repercussão geral do STF (Tema nº 638) conferiu interpretação conforme o artigo 477-A da CLT com a redação dada pela Lei nº 17.367, de 13 de julho de 2017 sobre a reforma trabalhista, que prescreve que as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.

                                            A seguir, a terceira e última parte sobre as consequências jurídicas decorrentes da inexistência da negociação coletiva nas despedidas em massa.

                                            III-Consequências jurídicas decorrentes da inexistência da negociação coletiva nas despedidas em massa

                                            Impõe-se, pois, o exame das consequências jurídicas decorrentes da inexistência da negociação coletiva nas despedidas em massa.

                                            Essa medida é complementar à decisão paradigmática do STF com repercussão geral (Tema 638), examinada na segunda parte desta exposição, para que se dê a máxima efetividade ao direito fundamental social e trabalhista da proteção do núcleo essencial da relação de emprego contra a despedida arbitrária coletiva, na conformidade do disposto no artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, matéria da primeira parte desta exposição.

                                            Com efeito, essa questão ora examinada na terceira parte desta exposição está essencialmente relacionada com a sanção, uma vez que, conforme a doutrina tanto de Hans Kensel quanto a de Norberto Bobbio, ela, a sanção, é a forma por excelência de coerção necessária para a efetividade sobretudo do direito fundamental social e trabalhista objeto do presente estudo.

                                            Portanto, a consequência jurídica perseguida deve estar relacionada com os fundamentos da noção do direito fundamental social e trabalhista em apreço examinados na primeira parte deste trabalho, bem como na ratio decidendi da decisão do STF (Tema 638), encontrada na segunda parte.

                                            Ora, na primeira parte foi demonstrado que a proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária e coletiva reside na afirmação de que o núcleo essencial desse direito, previsto pelo artigo 7º, inciso I, do texto constitucional, tem a imediata efetividade na conformidade do artigo 5º, § 1º, também do texto constitucional, com sua irradiação no Direito Civil, com aplicação nos artigos 187 e 422, vale dizer que a relação contratual privada entre empresa e trabalhadores deve ser presidida pela boa-fé objetiva e seus deveres anexos de informar e negociar.

                                            Assim, a despedida coletiva sem a prévia informação pela empresa empregadora da motivação e a tentativa da negociação coletiva com os trabalhadores atingidos e o respectivo sindicato profissional implica a prática de ato ilícito, nos termos do artigo 187 do Código Civil, bem como implica a sanção, que é a obrigação de indenizar nos termos dos artigos 927 e 944, ambos do Código Civil

                                            Também a ratio decidendi da decisão do STF (Tema 638), conforme fundamentação dos votos vencedores e divergentes dos Ministros Roberto Barroso e Rosa Weber, que entenderam ser a despedida em massa sem negociação prévia ato ílicito por violação da boa-fé objetiva, prevista pelos artigos 187 e 422 do Código Civil.

                                            A propósito, o próprio plenário do STF decidiu com repercussão geral, julgando o RE 179193, na sessão de 18/12/1996, cujo acórdão foi publicado DJ de 19/10/2001, Ata nº 32/2001, com a relatoria do então Ministro Moreira Alves, que “não estabeleceu a Constituição de 1988, qualquer exceção expressa que conduzisse à estabilidade permanente, nem é possível admiti-la por interpretação extensiva ou por analogia, como decorre, inequivocamente, do inciso I, artigo 7º, da Constituição, a proteção de que ela dá à relação de emprego contra a despedida ou sem justa causa é a indenização compensatória, que a lei terá necessariamente que prever, além de outros direitos que venha estabelecer, exceto, evidentemente, a estabilidade plena que daria margem a um bis in idem inadmissível com a indenização compensatória como se vê da disciplina provisória que encontra nos inciso I e II do artigo 10 do ADCT”.

                                            Ora, se o texto constitucional brasileiro não admite, nem por regulamentação através de lei complementar, a consequência jurídica da estabilidade no emprego, mas somente a indenização compensatória por violação da proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, é lógico que a consequência da sanção por ausência de negociação coletiva prévia nas despedidas em massa não poderia resultar na sustação dessas despedidas e a determinação da reintegração dos trabalhadores atingidos, mas tão-somente a declaração de sua ilicitude por abuso de direito, por violação da boa-fé objetiva e seus deveres anexos, trazendo como consequência, uma vez consumada a despedida em massa, a condenação de indenização reparadora, sendo certo que, para tanto, serviria como paradigma o acórdão 333/2009 do Proc. TRT/Campinas 15ª Região, nos autos do processo 00309200900015004-DC, mencionado na segunda parte do presente estudo, referente à paradigmática ação trabalhista matriz face à despedida em massa em 2008 dos trabalhadores promovida pela Embraer.

                                            Adotando posicionamento diferente e equivocado, o TST nos autos do Processo nºTST-RR-487.33.487-33.2018.5.20.0009, com a relatoria do Ministro Alberto Bastos Balazeiro, em recente decisão do dia 13 de dezembro de 2023, houve por bem restabelecer a decisão da Vara do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho do Estado do Piauí, que, atendendo pedido inicial equivocado do MPT, houve por bem conceder tutela antecipada em ação civil pública e declarar a inconstitucionalidade difusa do artigo 477-A da CLT, acrescido pela Lei n. 13.457/2017, determinando que a empresa empregadora se abstivesse de despedir coletivamente sem prévia negociação coletiva com o respectivo sindicato profissional, sob pena de pagamento de multa diária.

                                            A decisão em comento do TST teve como fundamento a decisão do STF no RE 9994335/SP, com repercussão geral (Tema 638), no sentido de que a intervenção sindical profissional prévia é exigência procedimental para a dispensa coletiva em massa.

                                    Ora, de todo o exposto, embora essa recente decisão em comento do TST tenha procurado dar eficácia ao direito fundamental social e à proteção contra a despedida arbitrária e em massa dos trabalhadores, sem negociação prévia, fê-lo de forma equivocada, com conclusão extravagante e ativismo judicial, quando deveria, nos termos do artigo 2.035, parágrafo único do Código Civil, por estar sub judice matéria de ordem pública consistente na função social do contrato de trabalho, com previsão no artigo 421 da CLT, uma vez que provavelmente à época estivesse consumada a despedida em massa sem negociação prévia, já sob a competência do TST, declarar abusiva e ilícita a despedida em massa, com a condenação da empresa no pagamento de indenização reparadora, como o fez o Acórdão 333/2009 do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região-Campinas, nos autos do Processo nº 00309200900015004-DC, no caso                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                da Embraer, como já visto, quando o pedido inicial dos Sindicatos profissionais, em dissídio coletivo de natureza jurídica, foi também equivocado ao pedir em juízo a declaração de nulidade da despedida em massa dos trabalhadores e sua reintegração no emprego.

                                            Em ambos os casos não haveria violação do princípio da congruência com a declaração da ilicitude das despedidas coletivas, embora não expressamente pleiteadas  em ambas as hipóteses, por falta de negociação prévia e consequente indenização reparadora para cada empregado despedido, conforme lição do jurista paulista Nelson Neri Júnior (Contratos no Código Civil, in O novo Código Civil -Homenagem ao Prof. Miguel Reale, págs.418-464, Editora LTr., 2ª edição, janeiro de 2006, ao dizer que “ a cláusula geral é de ordem pública (v.g. CC 2.035, parágrafo único) e deve ser aplicada ex-officio pelo juiz … com essa aplicação de ofício não se coloca o problema incongruente com o pedido (extra, ultra ou infra petita), pois o juiz, desde que haja processo em curso, não depende de pedido da parte para aplicá-la a uma determinada situação…Cabe ao juiz, no caso concreto, preencher o conteúdo da cláusula geral, dando-lhe a consequência que a situação concreta reclamar … uma vez que a natureza jurídica das cláusulas gerais (exemplo da boa-fé objetiva e seus deveres anexos e da função contratual do contrato) é norma jurídica, que produz efeitos jurígenos, geradores de direitos e obrigações, servindo como função instrumentalizadora, vale dizer, o juiz deve servir-se de sua enunciação abstrata, para dizer, na situação concreta que se lhe apresenta, o que seria dar função social àquele determinado contrato que está sob sua análise”.

                                            Conclusão

                                            Essa consequência jurídica indenizatória em decorrência da inexistência da negociação prévia nas despedidas em massa examinada especialmente na terceira parte deste trabalho, após os fundamentos jurídicos trazidos nas duas primeiras partes, que resultou na efetividade desse direito fundamental social e trabalhista da negociação coletiva prévia nessas despedidas em massa, significa a modernização das relações coletivas de trabalho no Brasil ao garantir, na hipótese em comento, o justo objetivo, segundo Michel Villey, traduzido, como visto, na justiça comutativa e na paz social.

                                            Significa ainda ombrear, no particular, o direito do trabalho brasileiro aos direitos dos países da União Europeia, construídos pela aplicação da Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela implementação das diretivas sobre a matéria aprovadas pelo Parlamento Europeu.

                                            A propósito, em 1927, o jurista francês Georges Scelle já dizia que, no passado, nas relações de trabalho, prevalecia a lei do patrão, sendo o contrato de trabalho mera adesão do empregado, e que, em sua época, prevalecia o direito do Estado, com leis imperativas e de ordem pública em favor dos trabalhadores, e, no futuro – em nossos dias de hoje – prevaleceria o direito das partes, que são empresa e trabalhadores, sobretudo aqueles eleitos para poderem negociar a gestão no interior da empresa (exemplos nos artigos 7º, inciso XI, e 11, ambos do texto constitucional e artigos 510-A a 510-D, todos da CLT) e a negociação coletiva em suas diferentes formas, como, aliás, previsto pela Convenção nº 154 de 1981, ratificada pelo Brasil, e pelos artigos 7º, inciso XXVI, e 8º, inciso VI, da Constituição de 1988.

                                            Portanto, a proteção da despedida em massa pressupõe a exigência da negociação coletiva prévia como ato da modernidade do direito do trabalho, cujo descumprimento implica sua ilicitude a ser reparada por indenização arbitrada.

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