Notável saber jurídico e reputação ilibada

28/12/2023

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Por Almir Pazzianotto Pinto

Parecendo-me a ocasião oportuna, transcrevo frase do Ministro da Justiça da França, Dr. Louis Barthou (1862-1934): “Julgar os seus semelhantes ou pronunciar-se entre os seus pares. Condenar ou absolver, exercer a severidade e praticar a indulgência, dispor da fazenda, da vida ou da honra dos outros, não há responsabilidade mais grave. Ela exige a clareza da inteligência e a firmeza do espírito, a competência e o caráter, o respeito que a si próprio se deve e o que aos outros impõe. Não estou longe de acreditar que a civilização de um país se mede pela opinião que tem de sua Magistratura, da autoridade ou do descrédito desta, do seu brilho ou de sua fraqueza, da sua imparcialidade ou de sua subserviência. A Justiça é o símbolo e o reflexo dos costumes públicos. Cada povo tem a magistratura que merece”. (Os Grandes Julgamentos do STF, Ministro Edgard Costa, Ed. Civilização Brasileira, RJ, vol. 3, pág. 368).

O trecho integra voto proferido pelo ministro Ribeiro da Costa, do Supremo Tribunal Federal (STF), por ocasião do julgamento de Mandado de Segurança, cumulado com pedido de Habeas Corpus, em favor do presidente da República João Café Filho, deposto do cargo em 11/11/1954 pelo Ministro da Guerra, general Henrique Lott. A deposição teria sido motivada, segundo a maioria dos historiadores, pela urgente necessidade de assegurar a posse do presidente eleito Juscelino Kubitscheck, alvo de conspiração liderada pela União Democrática Nacional (UDN).

O ministro Louis Barthou não se refere a “notável saber jurídico e reputação ilibada”. Exige, porém, como requisitos, para o exercício da magistratura, “clareza da inteligência e a firmeza do espírito, a competência e o caráter, o respeito que a si próprio se deve e o que aos outros impõe”.

Notável saber jurídico e reputação ilibada são requisitos para nomeação de ministros do STF. A Constituição reserva, aos integrantes do Senado Federal, a relevante tarefa de submeter o indicado pelo Presidente da República à arguição destinada a avaliar se preenche as exigências da Lei Fundamental.

Estão os senadores à altura de tarefa que decide os destinos da Suprema Corte? Essa é a questão. Será necessário, portanto, que os membros do Senado Federal, incumbidos de sabatinarem o indicado, se encontrem em condições de distinguir o saber comum, do saber jurídico excepcional. Não bastam, contudo, notável saber jurídico e reputação ilibada, se ao indicado faltarem as virtudes da probidade, integridade de caráter, independência e discrição.

Em ministros do Judiciário caem mal o exibicionismo, a vaidade, a prepotência, e outros pecados da alma. A toga exprime a autoridade de quem a enverga. Não garante, porém, retidão do caráter e fidelidade à Justiça. Registrou o Pe. Antônio Vieira, em piedoso sermão: “quantos vemos hoje julgados e condenados por adivinhação. Não pelo que fizeram, senão pelo que se advinha que haverão de fazer” (Sermões, vol. I, pág. 183).

As transmissões pela televisão das sessões de julgamento deram novo colorido aos tribunais. Por outro lado, passaram a servir de estímulo a votos prolixos e repetitivos, a expressões enfurecidas, comportamentos agressivos, atitudes desafiadoras, acompanhas pelo público, no recinto e fora do Tribunal.

Juristas de escol, como Carlos Maximiliano, Ribeiro da Costa, Moreira Alves, Sydney Sanches, Menezes Direito, Carlos Velloso, sóbrios, alheios à publicidade e imunes às pressões dos poderosos, tornaram-se raros. No livro Ruy – O Estadista da República, com todas as letras escreveu o ministro João Mangabeira: “O órgão que, desde 92 até 937, mais falhou à República, não foi o Congresso. Foi o Supremo Tribunal Federal” (Livraria Martins Editora, SP, pág. 69).

Há 40 anos o Brasil está em crise. A corrupção e a impunidade provocam clima de insegurança jurídica. A morosidade, a desmemória e a prescrição são os meios de defesa dos poderosos. Se “a civilização de um país se mede pela opinião que tem de sua Magistratura”, o que pensa o leitor?

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Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Academia

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