O novo papel do sindicato no Brasil. Custeio sindical. Negociação coletiva. Tema 935 de Repercussão Geral do STF.

20/08/2025

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Por Renato Rua de Almeida

                                    Introdução

                                    No ano de 1927, do século passado, o jurista trabalhista francês, Georges Scelle, afirmou que ontem, antes de seu tempo, nas relações de trabalho, prevalecia a lei do patrão, ademais hoje, em seu tempo, a lei trabalhista do Estado, e, amanhã, em nossos dias de hoje, a lei das partes.

                                    Por sua vez, outro jurista trabalhista francês da atualidade, Alain Supiot, numa de suas obras, afirma que o direito moderno, sobretudo nas relações privadas, é regulado sobretudo por normas autônomas e não heterônomas, que, na hipótese das relações de trabalho, são os instrumentos da negociação coletiva.

                                    Essa nova dimensão das relações de trabalho balizadas pela norma autônoma vem consagrar a tese de Habermas, ao conceber o direito como uma teoria da comunicação, isto é, construído no seio de uma sociedade por técnicas de procedimentalização e contratualização, vale dizer um direito auto-regulado na sociedade, diferentemente da visão hegeliana do direito, elaborada a partir do Estado, por meio de uma regulamentação heterônoma das relações sociais.

                                    Desta forma, torna-se oportuno examinar, se, efetivamente, nos dias de hoje nas relações de trabalho, predomina a lei das partes, isto é, entre empregados e empregadores, sobretudo quando representados por órgãos associados e sindicais.

                                    De fato, entre os 27 países que compõem os Estados-Membros da União Europeia prevalece a lei entre as partes, como expressão de uma maior autonomia das normas jurídicas trabalhistas, ao passo que hoje no Brasil ainda, em grande medida, prevalece a lei trabalhista oriunda do Poder Legislativo, bem como decisões oriundas do Poder Judiciário, especialmente a sentença normativa em dissídios coletivos de natureza econômica e  também de natureza jurídica, bem como em acórdãos do STF com repercussão geral, sobretudo quando são formadas decisões temáticas, como expressão da heteronomia das normas jurídicas trabalhistas.

                                    Para tanto, torna-se importante fazer uma análise comparativa, ainda que um tanto quanto superficial, devido à exiguidade de tempo disponível, entre os dois modelos de normas trabalhistas, no sentido de sua eficácia nas relações privadas do mundo do trabalho em função do bem comum.

                                    Desta forma, numa primeira parte, far-se-á uma análise das causas do modelo autônomo existente nos Estados-Membros da União Europeia.

                                    Numa segunda parte, o exame das causas de estarem ainda em grande medida as normas trabalhistas brasileiras sob a égide da heteronomia como fonte, isto é, da predominância da legislação trabalhista e decisões judiciais também heterônomas.

                                    I-As razões da prevalência das normas trabalhistas autônomas nos Estados-Membros da Uniao Europeia

                                    Primeiramente, é a existência da ampla liberdade sindical, nos moldes da Convenção 87 da OIT, órgão especializado da ONU em matéria trabalhista, do qual o corolário da pluralidade na estrutura e na ação das organizações associativas e sindicais.

                                    Portanto, essa é a primeira razão e certamente a mais importante para a prevalência das normas trabalhistas autônomas nos Estados-Membros da União Europeia.

                                    Em segundo lugar, a liberdade e a possibilidade concreta da pluralidade fazem com que haja uma descentralização do nível das negociações coletivas dos chamados ramos de atividades profissionais e econômicas (no direito brasileiro denominadas categorias profissionais e econômicas) para as empresas individualizadas, através de seus instrumentos normativos por excelência, que são a convenção e o acordo coletivo de trabalho, na busca da regulação das relações coletivas de trabalho relativas às condições de trabalho e salário a se incorporarem nas relações individuais de trabalho.

                                    Em terceiro lugar, a participação efetiva dos trabalhadores na vida da gestão das empresas por meio de órgãos diretamente por eles eleitos, que se diferenciam, portanto, da forma independente das representações sindicais em seus objetivos ligados aos contratos individuais de trabalho, na conformidade da Convenção nº 135 de 1971.

                                    Indispensável para a efetividade dessa dimensão da liberdade sindical na participação dos trabalhadores na gestão da empresa é o exercício do direito à informação, tal como previsto pela Recomendação nº 163 da OIT e pela Diretiva nº2002/14/CE da União Europeia.

                                    Sem dúvida, essa forma autônoma de regulação das relações de trabalho sobre as condições de trabalho e salário, seja forma de participação dos trabalhadores na gestão das empresas, faz com que haja muito mais paz social no mundo do trabalho e também na sociedade.

                                    Ademais, em termos de eventuais conflitos coletivos de trabalho, a solução a ser perseguida também é autônoma, primeiramente pela negociação direta entre as partes coletivas envolvidas e também pelos órgãos que utilizam mecanismos de conciliação, mediação e arbitragem voluntários e privado, na conformidade da Recomendação n° 92 da OIT.

                                    É a existência da União Europeia com seus mecanismos de livre circulação dos trabalhadores e de harmonização das legislações instrumentais, por meio sobretudo de diretivas obrigatórias, que facilitam políticas comuns nos Estados-Membros.

                                    Portanto, são palavras-chaves como liberdade sindical, possibilidade de pluralidade sindical, descentralização do nível das negociações coletivas para o âmbito das empresas individualizadas, participação dos trabalhadores na gestão das empresas, solução dos conflitos coletivos pela negociação direta entre as partes coletivas e também pelos instrumentos voluntários e privados de conciliação, mediação e arbitragem, a livre circulação dos trabalhadores e a harmonização das legislações instrumentais em todos Estados-Membros, que possibilitam a normatização autônoma das relações de trabalho na União Europeia.

                                    Em conclusão, desta forma o desenvolvimento econômico, que tem por base a livre iniciativa e a livre concorrência das empresas privadas, é alcançado com justiça social.

                                    II-As razões pelas quais no Brasil prevalece ainda a predominância da regulação heterônoma das relações de trabalho pela legislação trabalhista e pelas decisões judiciais.

                                    No Brasil, a recente história das relações de trabalho está intimamente ligada com o regime político vigente e com o estágio do crescimento econômico.

                                    A partir da década de 1920 iniciou-se o crescimento industrial do sudeste brasileiro.

                                    Com a chamada Revolução brasileira de 1930, adveio logo em 1931 a primeira regulamentação legal corporativista do sindicalismo brasileiro, por influência da Carta del Lavoro italiana, para o controle do movimento de greves surgido especialmente em São Paulo na década anterior de 1920 com o início forte da primeira industrialização sobretudo pela substituição das importações.

                                    Com a implantação do Estado Novo getulista, a regulamentação corporativista do sindicalismo brasileiro passou ao nível constitucional em1937.

                                    Em compensação, a Revolução de 1930 e o Estado Novo aprovaram em 1943 a Consolação das Leis do Trabalho.

                                    Com a volta do Brasil à democracia em 1945, foi aprovada a Constituição democrática de 1946, que, no entanto, manteve toda a legislação sindical corporativista.

                                    Portanto, até então a regulamentação das relações de trabalho era heterônoma através da legislação trabalhista.

                                    Com a chegada do que se convencionou chamar de Revolução de 1964, promovida por militares, manteve-se constitucionalmente o corporativismo sindical e o processo de legislação trabalhista, embora menos protecionista com o advento do fim da famigerada e controvertida estabilidade no emprego aos 10 anos de serviço prestado.

                                    A partir da década de 1970, ainda sob a presença militar no poder e com a chegada da indústria automotiva em São Paulo, surge uma expressiva classe operária sob a liderança do sindicalista Lula, com a eclosão de greves sindicais e reivindicações de novas condições de trabalho traduzidas em lei e, pela primeira vez, ainda que com pouco intensidade, pela negociação coletiva.

                                    A partir de então, houve toda uma movimentação política e social pela liberdade política nacional e pela liberdade sindical.

                                    Com a redemocratização  do País e aprovação da Constituição Federal de 1988, houve uma importante inovação constitucional no que se refere ao artigo 8º, inciso I, com a inauguração da autonomia sindical em relação ao Estado, ao se prescrever que a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, sendo vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção administrativas na organização sindical.

                                    No entanto, manteve-se no artigo 8º, inciso II, do texto constitucional de 1988, a unicidade sindical e a representação monopolística pelos sindicatos da representação das categoriais econômica e profissional.

                                    O custeio sindical previsto pelo artigo 8º, inciso IV, do texto constitucional manteve a contribuição sindical compulsória tal qual era regulamentada pela Consolidação das Leis do Trabalho.

                                    No entanto, a Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, sobre a reforma trabalhista, modificou os dispositivos consolidados 578 e 579 que garantiam a compulsoriedade da contribuição sindical e de todas as demais contribuições compulsórias para os sindicatos, tornando-as facultativas, em atenção à liberdade sindical e ao disposto no artigo 8º, inciso V, do texto constitucional de 1988, ao dispor que ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado ao sindicato, pelo que, consequentemente, não poderia ser compelido a pagar a contribuição sindical.

                                    É hoje consenso entre os doutrinadores do direito do trabalho que a manutenção dos requisitos corporativistas do sindicalismo brasileiro consistentes na unicidade sindical e na representação monopolística das categorias econômica e profissional pelos sindicatos dificultam a ampla liberdade sindical, prevista pela Convenção nº 87 da OIT, a pluralidade sindical como corolário da liberdade sindical, se necessária fosse por escolha dos próprios trabalhadores, a descentralização do nível das negociações coletivas para o âmbito das empresas, a participação efetiva dos trabalhadores na vida da gestão das empresas por meio de órgãos diretamente eleitos pelos trabalhadores formalmente independentes dos sindicatos.

                                    Por essas razões, restam sem eficácia os artigos 7º, inciso XI e 11, da CF/88 sobre a participação dos trabalhadores na gestão das empresas, como direitos fundamentais sociais, mesmo que a legislação sobre a Reforma Trabalhista de 2017 preveja, de forma incipiente, a prescrição dos artigo 510-A e 510-B da CLT sobre a comissão de representantes eleitos dos empregados nas empresas com mais de 200 empregados para participarem da gestão.

                                    Da mesma forma, sem grande eficácia a questão do nível da negociação coletiva descentralizado para o nível empresa, na conformidade do artigo 620 da CLT, conforme redação da Reforma Trabalhista de 2017, no sentido da prevalência sobre as condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sobre as estabelecidas pelas convenções coletivas de trabalho para as categoriais profissionais.

                                    Igualmente, no que concerne ao incentivo à negociação coletiva trazido também pela Reforma Trabalhista de 2017, ao restabelecer o valor da temporalidade dos instrumentos coletivos da negociação coletiva, conforme o artigo 614, § 3º, da CLT, no prazo máximo de dois anos, sendo vedada a ultratividade, salvo na hipótese do OJ nº 41 da SDI do TST.

                                    Por igual pela Reforma Trabalhista de 2017, pela fixação do princípio do negociado sobre o legislado, nos termos do artigo 611-A da CLT, e, finalmente pelo disposto no artigo 8º, § 3º, também da CLT, ao dispor que no exame da convenção ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o artigo 104 do Código Civil, e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

                                    Portanto, o sindicalismo brasileiro para ter um papel que lhe é garantido como direito fundamental, pelo artigo 8º, da Constituição Federal de 1988, e em especial no que concerne o exercício de sua principal função que é a de promover a negociação coletiva com boa-fé, conforme previsto pelo artigo 7º, inciso XXVI, da CF/88 e Convenções 98 e 154, ambas da OIT, e ratificadas pelo Brasil, precisa livrar-se das amarras da unicidade sindical e da representação compulsória das categorias econômica e profissional.

                                    Igualmente, em caso de conflito coletivo de trabalho, deverá buscar o sindicalismo brasileiro a negociação direta, e, sendo esta frustrada, utilizar os meios de solução extrajudicial e privada, tais como a conciliação, a mediação e a arbitragem, na conformidade do artigo 114, § 1º, do texto constitucional brasileiro de 1988 e as diretrizes da Recomendação nº 92, de 1951, da OIT.

                                    Ocorre que, para tanto, mister se faz um movimento político-social para a reforma do texto constitucional, como se deu com a conquista da autonomia sindical em relação ao Estado, quando da Constituição de 1988.

                                    No entanto, enquanto não se chegar ao objetivo acima almejado, é preciso que o sindicalismo brasileiro atual continue em sua luta com boa-fé pela melhoria das condições sociais dos trabalhadores.

                                    Para tanto, mister se faz garantir aos sindicatos profissionais um custeio que seja obrigatório por meio de negociação coletiva com o direito de oposição dos trabalhadores não associados.

                                    Trata-se de imperativo constitucional como direito fundamental o custeio do sindicato brasileiro aprovado em assembleia geral, na conformidade do artigo 8º, inciso IV, do texto constitucional de 1988, na forma prevista pela legislação infraconstitucional, desde que garantido aos membros da categoria, em especial aos não associados, o direito de oposição, como princípio da liberdade sindical em sentido individual.

                                    Com a Reforma Trabalhista de 2017, que passou a exigir autorização expressa e prévia dos trabalhadores para as empresas efetuarem o desconto no seu salário da contribuição sindical, os sindicatos de trabalhadores ficaram sem recursos para desempenharem seu múnus de representação da respectiva categoria profissional pela recusa da autorização prévia e expressa para o desconto da grande maioria dos trabalhadores por falta de consciência coletiva e pelos abusos que ocorriam anteriormente.

                                    Para sanar a questão, o Supremo Tribunal Federal aprovou o Tema 935, com repercussão geral, no sentido de que é constitucional a instituição por convenções ou acordos coletivos de contribuições assistenciais a todos os integrantes da categoria profissional, ainda que não sindicalizados, isto é, com caráter erga omnes, desde que garantido o direito de oposição aos trabalhadores interessados.

                                    Em apoio à aprovação do Tema 935, com repercussão geral, do STF, a Procuradoria Geral do MPT emitiu a Nota Técnica Conalis/PGT nº 9, de 24 de outubro de 2024

                                    CONCLUSÃO

                                    A negociação coletiva do trabalho, por meio de seus instrumentos da convenção coletiva de trabalho e acordo coletivo do trabalho ainda não atingiu no direito brasileiro a eficácia conseguida nos Estados-Membros da União Europeia, o que lhes proporciona, como visto, paz social.

                                    Para tanto, o sindicalismo brasileiro depende da extinção dos requisitos da unicidade sindical e representação monopolística pelos sindicatos das categorias econômicas e profissionais.

                                    Quando tal ocorrer – o que se dará com a tomada de consciência e pressão social e política do povo brasileiro -, as relações de trabalho brasileiras serão também reguladas pela negociação coletiva, pela descentralização do seu nível para as empresas, pela participação dos trabalhadores na gestão das empresas por representantes por eles eleitos e independentes dos sindicatos, os quais cuidariam apenas das questões relativas às condições de trabalho e salários.

                                    Enquanto tal não ocorrer, deve ser garantido aos sindicatos profissionais brasileiros o acesso ao custeio de contribuições assistenciais aprovadas em assembleia geral, com o direito de oposição àqueles que o quiserem, para a eficácia do múnus da representação sindical.

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