O perigoso sufixo “ismo”

16/02/2024

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Por Almir Pazzianotto Pinto

                                    “A palavra é sacramento de mui delicada administração”, escreveu o filósofo espanhol Ortega y Gasset. De mui delicada administração é o emprego do sufixo “ismo”, como se pode concluir quando comparamos os significados que lhe atribuem o grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, e o filhote conhecido como Pequeno Houaiss.

                                    Para o Pequeno é apenas o “elemento acrescentado após o radical para produzir formas derivadas ou flexionadas (gênero, número, etc.)”. Sem economizar espaço, o grande Dicionário Houaiss dedica 1/3 de página na tentativa de exaurir o sentido de vocábulo que, aposto a nome próprio, pode significar, entre mil outras coisas, adepto, aderente, seguidor, partidário de sistema, doutrina, teoria, tendência, corrente, algumas vezes com sentido pejorativo.

                                    Sou pouco dado ao estudo da História. Parece-me, porém, que o “ismo” surge na vida pública brasileira após a Revolução de 1930, como fruto da popularidade do presidente Getúlio Vargas (1930-1954). Até então, era apenas encontrado em expressões de acepção política, como liberalismo, socialismo, comunismo, capitalismo, integralismo, positivismo. Nunca como aditivo a nome próprio, como iria suceder com o surgimento do getulismo, assim conhecida a massa da opinião pública fiel ao chefe do Estado Novo.

                                    Luís Carlos Prestes, O Cavaleiro da Esperança, pelo temperamento reservado, taciturno, sempre mal-humorado, experimentou períodos de prestígio popular, mas não conseguiu ser mobilizador de massas. O ademarismo, para designar os seguidores de governador Adhemar de Barros, teve breve duração e se limitou ao Estado de São Paulo. O janismo foi mais forte e de amplitude de certo modo nacional. Entrou em declínio quando Jânio Quadros, o homem da vassoura, renunciou à presidência da República. As últimas reservas do janismo se esvaíram após ser prefeito de São Paulo.  

                                    João Goulart, dileto afilhado de Getúlio Vargas, não conseguiu dar concretude a movimento janguista. Abandonado pelos militares, e sem contar com imaginário dispositivo sindical, foi deposto em 31 de março de 1964. Buscou exílio no Uruguai, de onde voltou, anos depois, para ser sepultado em São Borja. O regime militar, ao longo de 20 anos, não produziu figura alguma de projeção entre as massas. Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e João Figueiredo não deixaram legado político. Outro tanto sucedeu com José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique.

                                    Além de Getúlio Vargas não tivemos alguém capaz de arrastar multidões, à altura, por exemplo, em termos de popularidade, de Juan Domingo Perón e sua mulher Evita, na Argentina, ou do marechal Charles De Gaulle, na França.

                                    O sufixo “ismo” retorna ao cenário político com Luís Inácio da Silva. Animal político gerado no seio do movimento sindical, em genial golpe de publicidade, ainda metalúrgico, acrescentou o apelido Lula ao nome de registro. Para o bem, ou para o mal, o lulismo é a novidade dos nossos dias. Acusado, investigado, processado, sentenciado e preso por corrupção na operação Lava Jato, Lula converteu a cela da Polícia Federal, em Curitiba, no movimentado comitê eleitoral exibido ao Brasil e ao mundo. Tendo em mãos surpreendente habeas corpus, deferido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, retornou à presidência da República em 2023, após apertada vitória sobre o presidente Jair Bolsonaro, líder do bolsonarismo.

                                    O novo lulismo é apreciador do luxo, da ostentação, de bons vinhos, de turismo internacional, ao estilo de vida dos amigos bilionários A força do lulismo tem a ver com a instituição do Bolsa Família, muito explorado para propósitos eleitorais. Os beneficiários permanecem pobres, como foram os pais, avós e bisavós. Recebem, porém, com alegria a modestíssima ajuda do Tesouro Nacional.

Até se eleger presidente da República, Jair Bolsonaro era mais um deputado federal, eleito, como tantos outros, pelo eleitorado do Rio de Janeiro. Sua produção na Câmara dos Deputados foi sabidamente baixa, para quem deteve vários mandatos. A vitória em 2018 resultou da polarização com o PT, representado por Fernando Haddad.  Bolsonaro capitalizou os adversários do petismo. O temor ao radicalismo esquerdista foi o cabo eleitoral.

Derrotado por diminuta diferença de votos em 2022, atacado em várias frentes sob a acusação de tentativa de golpe, ameaçado de ser declarado inelegível, Jair Bolsonaro deposita todas as esperanças no bolsonarismo. A manifestação programada para o dia 25 deste mês, tem a pretensão de vir a ser vigorosa demonstração de força. O lance é ousado. Resta saber se conseguirá reunir milhares de bolsonaristas, com camisas verde e amarelo.

No dia 25, de norte a sul, o Brasil estará de olhos voltados para a Av. Paulista.

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