O presidente José Sarney e a criação do TRT-15

22/10/2024

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Por Almir Pazzianotto Pinto

Ao ser criada, em 1º de maio de 1939, pelo presidente Getúlio Vargas, a Justiça do Trabalho não integrava os órgãos do Poder Judiciário. Vigorava a Carta Constitucional de 10/11/1937, escrita por Francisco Campos, imposta aos brasileiros como tentativa de conferir legitimidade à ditadura do Estado Novo, após a derrubada da Constituição de 1934.

No Diário de Vargas, podemos ler este singelo e lacônico registro, relativo ao dia 1º de Maio:

“Grande parada trabalhista em frente ao prédio do ministério, discursos, assinatura dos decretos criando a Justiça do Trabalho, os restaurants populares, e as escolas profissionais nos próprios estabelecimentos profissionais”.

Por não ser dotado do dom da profecia, Vargas jamais teria imaginado os resultados da medida registrada com tal simplicidade.

Na ocasião, a Justiça do Trabalho possuía reduzido número de Juntas de Conciliação e Julgamento em algumas capitais, cada qual com o presidente e dois vogais, “representando um os empregadores e outro os empregados” (art. 6º). Os Conselhos Regionais do Trabalho eram integrados pelo presidente e quatro vogais, “representando um os empregadores, outro os empregados, e sendo os demais escolhidos” dentre brasileiros natos, maiores de vinte e cinco anos, especializados em questões econômicas e sociais e alheios aos interesses profissionais” (art. 13). Na cúpula da estrutura havia o Conselho Nacional do Trabalho, “na plenitude de sua composição, ou por intermédio de sua Câmara de Justiça do Trabalho”.

O art. 15 do Decreto Lei nº 1.237, de 2 de maio de 1939, data da publicação, determinava os limites da jurisdição dos Conselhos Regionais do Trabalho.

Sem alterações do dispositivo foi transportado para a CLT, como artigo 674, mantendo-se o Brasil dividido em oito Regiões: 1ª: Distrito Federal, Rio de Janeiro e Espírito Santo; 2ª: São Paulo, Paraná e Mato Grosso; 3ª: Minas Geraes e Goiás; 4ª: Rio Grande do Sul e Santa Catarina; 5ª: Bahia e Sergipe; 6ª: Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte; 7ª:  Ceará, Piauí e Maranhão; 8ª: Amazonas, Pará e Território do Acre.

Mediante o Decreto-Lei nº 5.296, de 26 de outubro de 1943, Vargas criou 8 Juntas de Conciliação e Julgamento, com sede, respectivamente, em Petrópolis e Campos, no Estado do Rio de Janeiro; Santos, Sorocaba, Campinas e Jundiai, no Estado de São Paulo; Juiz de Fora, em Minas Gerais, e Rio Grande, no Rio Grande do Sul.

Como é de conhecimento geral, a Justiça do Trabalho foi incorporada ao Poder Judiciário pela Constituição de 16/9/1946, sem alterações.

Em 1973 o foi criado o Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, como 9ª Região.

Em seguida vieram o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, com jurisdição sobre o Distrito Federal; o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região, com jurisdição sobre o Amazonas e Roraima; o Tribunal Regional do Trabalho da 12ªRegião, para o Estado de Santa Catarina.

No governo do presidente João Figueiredo a Justiça do Trabalho foi ignorada. A ampliação do número de Juntas de Conciliação e Julgamento e de Tribunais Regionais do Trabalho se fazia, entretanto, necessário diante do crescente volume de reclamações trabalhistas e, portanto, de recursos ordinários, recursos de revista, agravos de instrumento.

No segundo ano do governo de José Sarney foi aprovada a Lei nº 4.711, de 30/4/1986. O projeto, do final de 1985, redigido no Ministério do Trabalho com a participação do Ministério da Justiça, chefiado pelo Ministro Fernando Lyra, criava mais de 120 Juntas de Conciliação e Julgamento, das quais 29 para atender a demanda reprimida no Estado de São Paulo. Entre as novas Juntas tivemos as de Assis, Bragança Paulista, Capivari, Bragança Paulista, Cruzeiro, Fernandópolis. Foram aumentadas em oito as Juntas de São Paulo, uma em Campinas, duas em Cubatão e Guarulhos (2), três em Santos, uma em São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, São José dos Campos, São José do Rio Preto.

A Junta de Conciliação e Julgamento de Tietê nasceu pela Lei nº 8.432, de 1992, mediante projeto de iniciativa do Tribunal Superior do Trabalho, para o qual colaborei. Com ela dezenas de outras, como as de Birigui, Cajuru, Campo Limpo Paulista, Garça, Indaiatuba, Jales, José Bonifácio, Matão, Sertãozinho.

O Governo do Presidente Sarney dava prosseguimento à tarefa de expandir a Justiça do Trabalho, nas várias regiões, como parte da política de atendimento às necessidades das classes trabalhadoras.

O nascimento do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas observou as exigências constitucionais e legais, com uma particularidade. Pela primeira e única vez, dividia-se uma unidade da Federação em duas jurisdições, cada qual com o seu Tribunal Regional.

Por exercer jurisdição sobre o mais populoso, mais desenvolvido, e com o maior número de trabalhadores do País, o TRT da 2ª Região recebia o maior volume de ações individuais e coletivas de trabalho.

Estávamos ainda sob o impacto da morte de Tancredo Neves. O presidente Sarney era atacado por todos os lados. Além dos problemas políticos, havia o desafio da galopante inflação. O Plano Cruzado encontrava-se pressionado pelo congelamento artificial dos preços. Gêneros de primeira necessidade desapareciam das prateleiras dos supermercados. Veículos usados custavam mais do que os novos, inexistentes nas concessionárias. No plano trabalhista, milhares de greves impediam a retomada das atividades industriais.  A economia estava paralisada. O desemprego começava a recrudescer, trazendo preocupações ao governo.

Em data não registrada, recebi em meu atarefado gabinete comitiva do TRT de São Paulo, integrada pelos juízes Pedro Benjamin Vieira, Monreal Júnior e Adilson Bassalho Pereira. Eu os conhecia da época em que frequentava o Tribunal como advogado. Nutria por eles sentimento de admiração e respeito. Vinham me consultar sobre a ideia de criação de Tribunal Regional do Trabalho, com sede na cidade de Campinas.

Exposta a pretensão, deliberei apoiá-la com todas as forças. Solicitei apenas que preparassem dossiê com a motivação do pedido.

Pedi audiência ao presidente José Sarney, a quem expus a pretensão e entreguei o dossiê em meu poder. Pouco afeito a esse assunto, S. Exa., homem formal e de poucas palavras, me ouviu e perguntou o que pensava do pedido. Respondi que era favorável, por me parecer justificado e oportuno. Argumentei com a sobrecarga que recaia sobre o TRT paulista e a necessidade de se facilitar o acesso a Justiça por trabalhadores, empregadores e advogados do interior do Estado. Foi o bastante para receber a aprovação de S. Exa.

Elaborado no Ministério da Justiça, o projeto foi rapidamente aprovado, graças à ajuda do deputado Francisco Amaral. Envolvido com medidas preparatórias da Assembleia Nacional Constituinte, não houve resistências na Câmara dos Deputados e no Senado. Exigências de caráter regimental foram rapidamente satisfeitas.

Em 15 de julho de 1986 a Lei nº 7.520, foi publicada. Orgulho-me de assiná-la ao lado do Ministro da Justiça, Paulo Brossard. O art. 1º, criava a 15ª Região da Justiça do Trabalho, o § 1º, que me desobrigo de transcrever, especificava a abrangência da 2ª Região, e o § 2º, entregava à nova Região os demais municípios.

A solene instalação do Tribunal, localizado na esquina das ruas Doutor Quirino e Barão de Jaguara, ocorreu em 8/12/1986. Descerram a placa da inauguração o ministro Coqueijo Costa, presidente do TST; eu, como Ministro do Trabalho, e o representante do Ministério Público do Trabalho. Compunham a Corte, os senhores juízes:

Presidente: Francisco Garcia Monreal Júnior; Vice-Presidente: Pedro Benjamim Vieira; Corregedor: Fernando de Oliveira Coutinho.

Juízes Togados: Neusenice de Azevedo Barreto Küstner; Roberto Gouvêa; Geraldo de Lima Marcondes; Giselda Lavorato Pereira; Ralf Cândia;Adilson Bassalho Pereira; Raimundo Alves Maranhão; Oswaldo Preuss; José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza; Eurico Cruz Neto; Ernesto da Luz Pinto Dória;

Juízes Classistas: Bruno Boschetti; Ubirajara Cardoso Rocha; Jair Pereira dos Santos; Nelson Mesquita; Ariovaldo Vieira Alves; Lázaro Benedito de Lima; Guilherme Paro; Édison Laércio de Oliveira.

As dimensões do TRT de Campinas podem ser avaliadas na Mensagem do Presidente desembargador Samuel de Lima, à disposição na Internet.

O art. 112 da Constituição, na redação original, previa a existência de pelo menos um Tribunal Regional do Trabalho em cada Estado e no Distrito Federal. A norma desencadeou a rápida criação de diversos tribunais regionais, memo em pequenos Estados e bastante próximos. A Emenda nº45, de 2004, corrigiu aquilo que me pareceu um exagero.

A mesma Emenda acrescentou ao art. 115 o § 2º, cuja redação diz: “Os Tribunais Regionais do Trabalho poderão funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo”.

Urge encerrar. Não posso, porém, me despedir sem antes consignar o orgulho que sinto por haver participado do democrático governo José Sarney, como Ministro do Trabalho,  e da composição do Tribunal Superior do Trabalho, que presidi, onde me sentei ao lado de juristas da envergadura de Orlando Teixeira da Costa, Prates de Macedo, Barata e Silva. Manoel Mendes de Freitas, Cnéa Moreira, Guimarães Falcão, Maria Cristina Peduzzi, Hylo Gurgel.

O dr. José Sarney presidiu o Brasil como fiador da passagem do regime militar para o Estado de Direito Democrático. Acompanhou à distância os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte. Em seu governo, o Ministério do Trabalho não decretou intervenção em nenhuma entidade sindical, rompendo com velha tradição autoritária e antecipando a medida adotada pelo art. 8º da Constituição. Em março de 1990 entregou a faixa presidencial ao sucessor, Fernando Collor de Mello, eleito pelo voto direto, com o País redemocratizado e sua 8ª Constituição.

A criação deste Tribunal é uma das realizações máximas do seu governo. A Justiça do Trabalho, o Estado de São Paulo e Campinas lhe agradecem.

Para encerrar, e já como despedida, escolhi palavras de São Paulo, na Carta escrita ao discípulo Tito:

                                               Bonum certamen certavi;

                                               Cursum consumavi;

                                               Fidem cervavi.

                                               (Combati o bom combate;

                                               Concluí minha carreira;

                                               Guardei a fé)

                                                           São Paulo. Epístola a Tito.

                                              

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Academia

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