Robotização de sentenças

11/11/2022

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Por Almir Pazzianotto Pinto

Isaac Asimov, bioquímico e escritor da nacionalidade russa, radicado na América do Norte, professor na Universidade de Boston, publicou, em 1950, a primeira edição do clássico Eu, Robô. Em 10 esplêndidos contos o livro relata a evolução do robô, até assumir o governo do planeta.  

No Brasil, os primeiros robôs foram importados pela indústria automobilística, sob forte onda de protestos dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo. A necessidade de se manter competitiva, em situação de manifesta inferioridade diante de fabricantes americanos, europeus e japoneses, que já se valiam de tecnologia mais avançada, a Volkswagen do Brasil foi a primeira indústria a trazer robôs, os quais seriam utilizados, ainda em caráter experimental, sobretudo em serviços insalubres como solda e pintura de veículos.

Incapaz de entender a necessidade de modernização, o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de São Bernardo deflagrou campanha contra a robotização como se vê no livro Imagens da Luta – 1905-1985, onde se lê à página 220: “Além das demissões e da recessão, outro desafio enfrentado foi o processo de automação na indústria automobilística e novas formas de gestão das empresas. Na Volks, a luta do Sindicato contra o CCQ (Círculo de Controle de Qualidade) foi importante e, também, passou a ser assumida pela Comissão de Fábrica, que tomava posse pela primeira vez. A primeira manifestação contra a robotização ocorreu em janeiro de 1982, na porta da Volks, onde os trabalhadores queriam ter controle sobre a implantação das novas tecnologias” (Edição do Sindicato, Aloízio Mercadante Oliva, 1987). Em 1982, a vanguarda do sindicalismo corporativo-fascista dava paradoxal e reacionária demonstração de atraso.

A história do desenvolvimento industrial e científico revela, todavia, ser insano e impossível criar obstáculos à marcha do progresso. A robotização industrial é fato. O País mais desenvolvido, neste terreno, é a Coréia do Sul. Seguem-se a Suécia, Alemanha, Japão, Estados Unidos da América. O Brasil, como de hábito, caminha à retaguarda. Permanece nos últimos lugares da fila, sendo uma das razões determinantes da desindustrialização e perda de competitividade.  

Indiferente às reações, a automação, a informatização, a robotização, avançam. Hoje estão presentes nos serviços públicos, na economia e na vida doméstica. O microcomputador, o tablet, o celular, o drone, tornaram-se membros da família. Os setores financeiros, automotivos, jornalísticos, os transportes, as telecomunicações, a fotografia, assimilam com a velocidade da luz os avanços tecnológicos, embora provoquem a redução da força de trabalho.

O Poder Judiciário é o mais conservador dos Três Poderes. Com o conservadorismo que o caracteriza não consegue, porém, fugir à necessidade de modernização. A utilização de computadores facilitou a missão dos magistrados. O Processo Judicial Eletrônico (PJE) reduziu despesas com recursos humanos, papel e espaço. Audiências virtuais contribuíram para economia de tempo e dinheiro.

Já se fala na utilização do robô e da inteligência artificial na prolação de sentenças. Conseguirá ser imparcial? A pergunta me leva ao Pe. Antônio Vieira. Alertou o jesuíta no Sermão da Segunda Dominga do Advento, pregado em 1650: “Primeiramente o juízo dos homens é mais temeroso do que o juízo de Deus; porque Deus julga como com o entendimento, os homens julgam com a vontade. Quando entre o entendimento de Deus e a vontade dos homens não houvera aquela infinita distância, bastava só a diferença que há entre vontade e entendimento, para ser grande a desigualdade destes juízos. Quem julga com o entendimento pode julgar bem e pode julgar mal; quem julga com a vontade nunca pode julgar bem” (Sermões, Lello & Irmão, Portugal, 1959, vol. I, pág. 162).

O robô é máquina desprovida de personalidade e de vontade. Julgará a causa obediente às informações sobre lei e jurisprudência gravadas na memória. Poderá julgar bem e poderá julgar mal. O juiz que se deixa dominar pela vontade nunca poderá julgar bem. Vêm à memória palavras do ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal: “Não é errado nem ruim que juízes antes de decidirem (…) levem em conta a realidade social. Mas o populismo judicial é tão ruim quanto qualquer outro”.

As transmissões pela televisão tornaram o Judiciário transparente. Os jurisdicionados sabem como são tomadas decisões. Algumas pelo entendimento; outras pela vontade, revelando o autoritarismo ou o populismo do magistrado.

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Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Criador do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Correio Brazilense, 10/11/2022, pág. 15.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Academia

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