80 anos da CLT: passado, presente e futuro das relações de trabalho

07/03/2023

-

Compartilhe:

Share on whatsapp
Share on facebook
Share on twitter

Por Almir Pazzianotto Pinto

Seminário “80º anos da CLT: passado, presente e futuro das relações de trabalho”

Promoção: Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social – (GETRAB-USP)

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – 2 de março de 2023.

                        Senhoras e Senhores:

Sou 6 anos mais idoso do que a CLT. Em 1960, ao colar grau de bacharel em direito, a Consolidação completava 17 anos de idade. Estava na flor da juventude. Para recém-formados, era a promessa de clientes, patrões ou empregados.

                        Multiplicavam-se escritórios de advocacia, especializados na defesa de trabalhadores, de empregadores, ou prestadores de serviços a sindicatos.

                        Getúlio Vargas, pai da Consolidação, nasceu em São Borja, Rio Grande do Sul em 19 de abril de 1882, sob o reinado de Dom Pedro II, antes, portanto, da abolição da escravatura.

                         Líder da Revolução de outubro de 1930; Chefe do governo provisório implantado em 3 de novembro; Presidente República eleito pela Assembleia Constituinte em 17 de julho de 1934; ditador a partir de 10 de novembro de 1937 até a deposição pelo Exército, em 29 de outubro de 1945. Voltou em 1951, eleito pelo voto popular. Suicidou-se em 24 de agosto de 1954.

Como ditador, Vargas se valeu de plenos poderes para legislar sobre processo civil, direito penal, direito processual penal, administração pública. A fim de cumprir promessa eleitoral assumida pela Aliança Liberal, criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (Decreto nº 10.443, de 26/11/1930), 15 dias após assumir a chefia do Governo Provisório (Decreto nº 19.398, de 11/11/1930).

                        A Consolidação das Leis do Trabalho foi a obra-prima no terreno jurídico e a mais ousada iniciativa de natureza política. Com a autoridade de quem sabia o que afirmava, no discurso de 1º de Maio de 1952, Vargas disse: “Talvez seja o Brasil o único país do mundo onde a legislação trabalhista nasceu e se desenvolveu, não por influência direta do operariado organizado, mas por iniciativa do próprio governo, como realização de um ideal a que consagrei toda a minha vida pública e que procurei pôr em prática desde o momento em que a Revolução de 1930 me trouxe à magistratura suprema da nação”.

                        Legislação anterior a CLT por certo houve, como se deu com o Decreto nº 1.637, de 5 de janeiro de 1907, assinado pelo presidente Affonso Penna.  Todavia, como se lê no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, verbete Consolidação das Leis do Trabalho, “Embora alguma coisa já houvesse sido feita antes de 1930 no campo da legislação do trabalho, não há como negar que, naqueles tempos heroicos, muito mais fortes e numerosas foram as manifestações de protesto, de agitação, de reivindicação, do que, propriamente, de elaboração legislativa”. (vol. II, pág. 1558).

A história da CLT tem como fontes autênticas os Relatórios de 5 de novembro de 1942 e de 31 de março de 1943, submetidos pela Comissão Elaboradora do Projeto – integrada por Luiz Augusto do Rego Monteiro, José de Segadas Viana, Arnaldo Sussekind, Dorval de Lacerda -, ao Ministro Alexandre Marcondes Filho, e a Exposição de Motivos do ministro ao Presidente da República. Não nos esqueçamos da contribuição doutrinária de Oliveira Vianna, autor de O Idealismo da Constituição, Instituições Políticas do Brasil, Problemas de Direito Corporativo.

Em seu relatório, o Ministro Marcondes Filho assinala que durante quase um ano “os integrantes da Comissão Elaboradora entregaram-se à tarefa complexa e ilustre, com uma dedicação e um espírito público que bem demonstram o patriotismo que os inspirou”.

Após meses de esforços, a Comissão submeteu ao Ministro do Trabalho, minucioso conjunto de normas, que espelhava o “estágio no desenvolvimento do progresso jurídico”. Salientavam os ilustres Procuradores do Trabalho que “Entre a compilação, ou coleção de leis e um código – momentos extremos de um processo de corporificação do direito– existe a consolidação, que é a fase própria da concatenação dos textos e da coordenação dos princípios, quando já se denuncia primeiro o pensamento do sistema, depois de haverem sido reguladas, de modo amplo, relações sociais em determinado plano da vida política”.

Com 922 artigos e Quadro das atividades e profissões anexo, a Consolidação significava o ideal em matéria de legislação dirigida à classe trabalhadora, até então ignorada pelo Estado.

É impossível desconhecer, entretanto, que a intensa atividade legislativa desenvolvida durante o Estado Novo foi possível por duas razões: Getúlio Vargas cercou-se da nata dos juristas da época; o país estava sob a ditadura implantada pela Carta Constitucional de 1937, redigida por Francisco Campos.

                        Sobre o Esquema da Consolidação, diz o A Exposição de Motivos: “A estrutura da Consolidação e a ordenada distribuição das matérias que lhe compõem o texto evidenciam claramente não só um plano lógico como um pensamento doutrinário.

Com efeito, a CLT é fruto de planejamento minucioso e de consistente linha de pensamento, onde cada Título, cada Capítulo, cada Seção, se liga ao anterior e se relaciona ao posterior, de maneira lógica e científica.

Na época da elaboração, a CLT era o regramento jurídico de ofícios, atividades e profissões urbanas. Excluiu empregados domésticos, trabalhadores rurais, funcionários públicos civis e extranumerários da União, dos Estados e dos Municípios e servidores autárquicos sujeitos a legislação específica.

Disciplinou a identificação profissional, a duração do trabalho, os períodos de descanso, as férias, o salário-mínimo, a contratação, a demissão, a estabilidade.

Fiel às prescrições corporativas dos artigos 138 e 139 da Constituição de 10 de novembro de 1937, incorporou decretos-leis de 1939 relativos à Organização Sindical e à Justiça do Trabalho, inspirados na Carta Del Lavoro.

Jacob Gorender, escritor marxista, no livro O Combate nas Trevas analisou sob a ótica política a legislação consolidada: “O populismo inaugurado por Getúlio Vargas, se definia pela associação íntima entre trabalhismo e projeto de industrialização. O trabalhismo como promessa de proteção dos trabalhadores por um estado paternalista no terreno litigioso entre patrões e empregados. O projeto de industrialização como interesse comum entre burgueses e operários. O populismo foi a forma de hegemonia ideológica, por meio da qual a burguesia tentou – e obteve em elevado grau – o consenso da classe operária para a construção da nação burguesa” (Ed. Ática, 1987).

 É natural que ao completar 80 anos de vida a CLT exiba lacunas. Não trata da produção compartilhada, ou terceirização, do trabalho remoto, da robotização, do emprego da inteligência artificial, do trabalho executado sob condições precárias. Permanece incapaz de eliminar a divisão da classe trabalhadora entre formais com registro em Carteira, e integrantes de vasto mercado informal. Até hoje não apresentou solução definitiva para problemas gerados pela despedida imotivada.

Questionada sobre a falta de dispositivos referentes ao desemprego – lacuna só corrigida em 1986 pelo Plano Cruzado – a Comissão Elaboradora reagiu,“A quantos vivem voltados para o modelo estrangeiro pareceu forçoso capitular em primeiro lugar, no plano da Consolidação, os problemas concernentes à colocação dos trabalhadores e ao desemprego. Esquecem-se de que entre nós o fenômeno do desemprego não assume a magnitude de uma calamidade social, constituindo, somente, um incidente na vida profissional, de modo não geral, de dentro dos limites de cada categoria, cuja tutela incumbe ao respectivo sindicato”.

A era Vargas (1930-1945) se caracterizou pelo desenvolvimento urbano, constante crescimento econômico, inexistência de desemprego. Em síntese, deflagrou nossa primeira Revolução Industrial.

Ao tempo em que a CLT foi elaborada, o ponto era manual ou mecânico, o salário pago em moeda corrente colocada em envelope de papelão. Linotipo, telefone, máquina datilográfica, aviação, eram novidades. Admitia-se o acentuado grau de analfabetismo, aceito em dispositivos como o art. 17, relativo a anotações da Carteira Profissional, e art. 464, concernente a recibo de salários.

Quando a CLT alcança a veneranda idade de 80 anos, são visíveis os efeitos da informatização. Conhecemos dinâmicas agências bancárias digitais, operadas à distância por dois ou três bancários. Nos supermercados, caixas automáticas dispensam o operador. O fenômeno de liberação de mão-de-obra se registra nas atividades portuárias, em linhas industriais de montagem, na agroindústria. Já se fala em robotização de sentenças e no robô advogado.

A internet e a telefonia celular por satélites artificias, provocaram o desaparecimento de telegrafistas, radiotelegrafistas, telefonistas, datilógrafos, office-boys. Nas atividades rurais o trabalhador braçal pertence ao passado.

Após 30 anos de rejeição, tornou-se amplamente praticada a produção compartilhada.

                     No século 21, novos desafios enfrenta a octogenária CLT. O trabalho remoto é um deles. Após a implantação do Processo Judicial Eletrônico, e dominada a pandemia, ao Judiciário Trabalhista cabe decidir entre o retorno ao trabalho presencial, e o trabalho à distância, cujos aspectos positivos são conhecidos e louvados.

                     Para quem está empregado, e para aquele que engrossa as legiões de desempregados, resta saber como a Constituição, a CLT, a Lei do Fundo de Garantia, conseguirão garantir a manutenção ou a conquista de escassos empregos, reservados à mão-de-obra qualificada.

                     A burguesia moderna “é o produto de um longo processo de desenvolvimento, de uma série de revoluções no modo de produção e de troca”, escreveram Marx e Engels. Também salientaram que “A burguesia só pode existir com a condição de renovar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, como isso, todas as relações sociais”.

                     Assistimos ao despertar da 4ª Revolução Industrial. É impossível prever o que nos espera. Com as experiências acumuladas ao longo da vida, acredito estar distante o ideal do pleno emprego, preconizado pela Constituição Cidadã.

                     Sob o Regime Militar o Brasil perdeu a oportunidade de se alçar à condição de potência econômica. Com estreita visão nacionalista, desenvolvida durante a era Vargas, ignorou as mudanças tecnológicas que levaram à globalização. Os resultados são conhecidos.

                     Conseguiremos recuperar o tempo perdido? Essa a difícil tarefa das novas gerações, e o que pergunto ao paciente auditório.

                     Muito obrigado.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Academia

Notícias relacionadas

04/12/2024

Por Almir Pazzianotto Pinto                         Em congressos promovidos periodicamente…

18/11/2024

Por Almir Pazzianotto Pinto Tendo necessidade de alfinetes para trabalhos de costura, mas encontrando dificuldades…