Dessindicalização é neologismo não dicionarizado. Trata-se de expressão criada na esfera do Direito Sindical, com o acréscimo do prefixo “des” à palavra sindicalização, para expressar o fenômeno do crescente afastamento dos trabalhadores das associações de classe.
Escreveu o sociólogo francês Michel Crozier, no Tratado de Sociologia do Trabalho (Ed. Cultrix, SP, 1973, vol. II, pág. 202), referindo-se certamente à França, que “A análise sociológica do sindicalismo operário em geral está pouco adiantada”. Mais ainda no Brasil, tarefa assumida por poucos historiadores, como Azis Simão e José Albertino Rodrigues, autores de Sindicato e Estado (Dominus Editora, SP, 1966) e Sindicato e Desenvolvimento no Brasil (Difusão Europeia do Livro, SP, s/d). Merece referência a obra do brasilianista Kenneth Paul Erickson, Sindicalismo no Processo Político no Brasil (Ed. Brasiliense, SP, 1979), que destaca a atuação do Ministério do Trabalho, como órgão controlador da vida sindical.
Do livro do professor José Albertino Rodrigues colho esta preciosa nota de rodapé: “Fazemos uma distinção entre movimento sindical e organização sindical. Movimento sindical corresponde a todo esforço informal e autêntico de levar a classes trabalhadora a lutar por suas reivindicações. Organização sindical corresponde a uma tentativa formal e de cunho oficial, no sentido de levar uma ordem e um instituto à classe trabalhadora. O sindicato que surge é naturalmente diverso num e noutro caso. O primeiro é o sindicato puro, nem sempre forte, mas legítimo em suas raízes obreiras. O segundo é bastardo, às vezes forte, mas sem identificação com a classe operária” (pág. 5).
Segundo o saudoso professor de sociologia, o sindicalismo brasileiro passou por quatro fases: a do mutualismo, coexistente com o período escravagista; o período de resistência, caracterizado pelo esforço no sentido de resistir ao capitalismo emergente (1900-1930); a fase de ajustamento, quando o poder político se voltou para os problemas do operariado, preocupado em aprovar legislação destinada a manter os trabalhadores dentro dos limites de classe (1930-1937); e a fase do controle, iniciada com a promulgação da Carta de 1937 e a decretação da CLT.
O controle ficou a cargo do Ministério do Trabalho, criado com esse objetivo pelo Decreto nº 19.433, de 26/11//1930. Ao Ministro do Trabalho foi conferido poder discricionário de expedir Carta de Reconhecimento, intervir e cassar dirigentes eleitos em caso de distúrbio ou greve e, com a promulgação da Constituição de 1988, deferir ou negar pedido de registro, obrigatório para obtenção personalidade sindical (art. 8º, I).
O Imposto Sindical, instituído em 8/7/1940 pelo Decreto-Lei nº 2.377, obrigatório para associados e não associados, serviu como anestésico e anabolizante ao sindicalismo oficial, gerado de cima para baixo. Anestésico porque arrefecia o espírito de luta, característico do período de resistência. Anabolizante porque, pago pela totalidade dos integrantes da categoria profissional, mascarava a baixa taxa de sindicalização espontânea e o deficitário valor das mensalidades.
O apogeu do movimento sindical deve ter ocorrido entre as décadas de 1950 e 1960. Ao longo do regime militar (1964-1985), com a cassação e perda de direitos políticos dos dirigentes mais atuantes, em geral ligados ao Partido Comunista Brasileiro, prevaleceu o peleguismo, encarnado em dirigentes de confederações e federações, tendo como arquétipo o antigo presidente da CNTI, Ary Campista.
O art. 8º da Constituição corrigiu parte da legislação sindical. Vedou ao “Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical”. Preservou, contudo, a Contribuição Sindical prevista em lei (inciso IV), convertida em voluntária pela Reforma Trabalhista. Sobrevive na CLT, dependente da anuência do trabalhador.
O desinteresse tem se agravado. Resulta de diversos fatores, independentes do desejo dos juristas e dirigentes sindicais. A investigações das razões compete à sociologia do trabalho. Recentes matérias jornalísticas informam que em apenas uma década os sindicatos brasileiros – algo em torno de 16,5 mil – perderam 5 milhões de associados. Dentro desse período, a redução teria sido da ordem de 36,7%. Em 2022 a sindicalização baixou para apenas 9,2%. Deve guardar relação com a desindustrialização e a informatização. A exigência do pagamento de Taxa Negocial, como querem os sindicatos e o Supremo Tribunal Federal, não resolverá o problema. Deverá agravá-lo.