Após 35 anos de vida, os fatos revelam a olho nu os dispositivos falsos da Constituição, sobretudo no que se refere à seguridade social, ao amparo à saúde, à proteção da família, da criança, do adolescente, do jovem, do idoso.
É pequeno o número daqueles que se deram ao esforço de ler a Lei Fundamental. Compreende-se. Afinal, estamos diante de documento prolixo, redigido em linguagem inacessível ao homem do povo, diferente da breve Constituição Americana. Muitos a exaltam como instrumento de defesa do Estado Democrático de Direito. Trata-se, porém, de Carta Política redigida com espírito revanchista, alheia às diferentes realidades, contradições, injustiças e violências, que caracterizam o País.
Vamos aos idosos. Determina o art. 230 que “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”. O parágrafo primeiro ordena que “Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares”, e o segundo que “Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos”.
O problema se agrava se o idoso não dispuser de família em condições de lhe assegurar a dignidade, o bem-estar, o direito à saúde e à vida. A ausência de filhos e netos, ou de alguma outra pessoa disposta a ampará-lo, poderá obrigá-lo a recorrer a terceiro, o denominado cuidador, profissional contratado, registrado e pago de conformidade com as normas trabalhistas e previdenciárias.
Nada há de errado com o cuidador. Trata-se de profissão decente, surgida para atender necessidades concretas e inadiáveis. O problema está no custo. O respeito às normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), exige que se contrate mais de um. Não havendo alguém em condições de lhe cobrir as ausências, serão necessários dois, três, em algumas circunstâncias quatro. Neste caso, se o idoso, ou a família, não dispuser de recursos financeiros, a solução consiste em colocá-lo em abrigo particular. A expressão asilo, como o significado de instituição de assistência social que recebe crianças, doentes mentais e idosos (Dicionário Houaiss), apesar de correta provoca sentimento de repulsa, que nos obriga a evitá-la.
Abrigos particulares de qualidade não são baratos. As mensalidades oscilam. Podem ir de R$ 3 mil a R$ 30 mil. Correspondem aos serviços oferecidos e à possibilidade de quem paga. Abrigos gratuitos, mantidos por donativos, nem sempre garantem tratamento à altura das necessidades dos abrigados.
O amparo aos idosos, porém, deve ser considerado serviço público obrigatório, de interesse local ou municipal, nos termos do art. 30, VI, da Constituição. Destarte, quando o art. 230 atribui ao Estado o dever de amparar pessoas idosas, “assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”, será interpretado em sentido lato, conjugado com o disposto no art. 30, VI.
O Município de São Paulo ignora as responsabilidades em relação à população idosa. Desconheço a existência de rede de casas de acolhimento e repouso para mulheres e homens carentes, de idade superior a sessenta e cinco anos, mantida com recursos municipais. Considere-se, ademais, serem comuns as doenças típicas de pessoas de idade elevada, exigindo cuidados médicos e enfermagem especializados. A demência, por sinal, nos seus diversos aspectos, é transtorno mental associado ao envelhecimento.
Na edição de 28/12/2023 O Estado publica dolorosa matéria sob o título Familiar arca com pelo menos 73% dos custos com demência. Informa a reportagem que “Ao menos 73% dos custos associados aos cuidados com pessoas com demência são arcados por familiares, amigos ou vizinhos, e as mulheres são, na grande maioria das vezes, as principais responsáveis por cuidar de pessoas com a condição” (pág. A12).
Neste ano teremos eleições municipais. O problema da assistência aos idosos deve integrar a pauta dos debates entre partidos e candidatos. O aumento da expectativa de vida provoca constante crescimento da população de idade superior a 65 anos. O assunto não deve ser ignorado.