Enfrentamos tempestade em copo d’água. A isonomia salarial entre homens e mulheres está garantida desde 1934.
Caiu no esquecimento o Art. 121, a, da Constituição promulgada em 16/7/1934, que determinava a “proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil”.
Sobre o tema, omitiu-se a Carta Constitucional de 1937, outorgada por Getúlio Vargas. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada por Decreto-Lei de 1943, reparou a falha. O Art. 461, em vigor, ordena com clareza que “Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade e idade”.
Para haver isonomia salarial a lei exige que o trabalho seja de “igual valor”, definido no parágrafo primeiro, do referido artigo, como aquele “feito com igual produtividade e a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço não for superior a dois anos”.
A Constituição de 1946 recepcionou a CLT e, com ela, o Art. 461. Deu-se o mesmo com a Constituição de 1967 (EC nº 1/1969) e a Constituição de 1988. Nesta última, o Art. 7º, XXV e XXVI, proíbe “diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”, e de “qualquer discriminação no tocante a salário e critério de admissão do trabalhador portador de deficiência”.
Dispenso-me do exame do trabalho por conta própria, e da Administração Pública, onde vencimentos são atribuídos a cargos efetivos ou de confiança, e não às pessoas que os exercem. Independem do sexo, idade, produtividade e perfeição técnica.
Entre nós, é crença generalizada que a mulher ganha menos do que o homem, e não goza de iguais oportunidades para exercer cargos de direção. Aqui, porém, as raízes do problema não se encontram na legislação. São heranças culturais e históricas. Como escreveu F. Hegel, em A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, há profundo antagonismo entre velhas tradições e novas formas de organização do trabalho.
Lembro-me de reunião na Assembleia Legislativa de São Paulo, quando era deputado da bancada do MDB e presidia a Comissão de Trabalho. Estávamos nos primórdios do movimento feminista. Durante os debates, alguém indagou de jornalista do Estadão, que cobria o evento, se havia discriminação nas redações. Com absoluta naturalidade ela respondeu: “impossível, nos jornais prevalece o critério da competência”.
Visto do alto, o panorama é outro. Cerca de 1,8 bilhão de islamitas, seguidores do Corão Sagrado aceitam que Allah deu ao homem todos os direitos sobre a mulher (Surata Na-Nissan). Leiam na Bíblia o apóstolo Paulo em 1 Coríntios, versículo 14:34. Nos artigos 240/255 o Código Civil de 1916 espelhou a realidade da época, ao sujeitar as casadas às decisões dos maridos. O texto original da CLT facultava ao esposo romper o contrato de trabalhos da mulher, se pudesse oferecer perigo à estabilidade da família (art. 446).
No Brasil, desde o século passado, movimentos feministas empreenderam campanhas em defesa da igualdade. A Lei Eleitoral de 1932 deferiu às mulheres o direito de votar e ser votada. A CLT garantiu a isonomia salarial. O Estatuto de Mulher Casada, Lei nº 4.121/1962, equiparou marido e mulher na administração da família. Na década de 1970 a gestante adquiriu a estabilidade no emprego. Legislações recentes procuram protegê-las contra a violência e o assédio. Na década de 1980 a mulher conquistou espaços no Executivo, Legislativo e Judiciário, e na iniciativa privada. Chegou à presidência da República, do Supremo Tribunal Federal, governa Estados e Municípios. No mercado de trabalho a sua fatia corresponde a 52,7%.
A recente Lei nº 14.611/2023, denominada Lei da Igualdade Salarial e dos Critério Remuneratórios, defere ao Ministério do Trabalho e Emprego o direito de intervir em empresas privadas, com mais de 100 empregados (art. 5º), para controlar o número e os critérios adotados na admissão e remuneração da mão-de-obra. É visível a violação das normas constitucionais que garantem ao empresário a livre gestão do negócio. Respeitada a isonomia salarial, cabe a ele determinar os objetivos da empresa, o número de empregados, as respectivas funções e salários.
A superação de tradições é produto da luta da mulher na família, no ambiente social, nas associações culturais, sindicais, políticas, na economia, sem haver de violação das garantias inerentes ao regime da livre iniciativa. Afinal, os riscos do negócio pertencem à empresa.