Acordo de Guariba – 40 anos depois

21/05/2024

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Por Almir Pazzianotto Pinto

Distante 365 km de São Paulo, no dia 15 de maio de 1984 a tranquila cidade de Guariba, na época com 25 mil habitantes, despertou tomada pela fúria. Cerca de dois mil boias frias, armados com podões, folhões e facões assaltaram o pequeno centro comercial, depredaram imóveis da Sabesp, incendiaram veículos e saquearam o único supermercado.

A pacata população ignorava os motivos que levaram os trabalhadores volantes a promover manifestação revestida de grande violência. A reduzida guarnição da Polícia Militar revelou-se impotente para conter a massa comandada pelo trabalhador conhecido como Zé de Fátima. Tiros foram disparados a esmo. Um deles atingiu na cabeça e matou o metalúrgico aposentado Amaral Vaz Meloni que a tudo assistia, sentado em escadaria próxima ao local. Outras 14 pessoas teriam sido feridas, entre eles um sargento da PM. Um cão da polícia foi morto a pancadas.

Por determinação do Governador Franco Montoro dirigi-me à Guariba, assim que as notícias chegaram a São Paulo. Era o Secretário do Trabalho. Levava comigo dois assessores, o dr. Plínio Sarti, já falecido, e o sociólogo Francisco Cardia. Deixei de lado a Delegacia Regional do Ministério do Trabalho. Era impelido pelo dever de tomar providências para encerrar o inédito conflito.

Viajei em automóvel da Secretaria. Foram horas de tensão e de estrada. Ao chegar à Guariba, no cair da noite, a insurreição estava contida graças aos reforços da PM vindos de Araraquara, sob o comando do major Luís Fábio. Apurei terem sido dois os estopins da explosão: a elevação das tarifas da Sabesp, e a alteração do sistema de corte de cana, de cinco para sete ruas ou eitos, determinada pelos usineiros da região sem prévio acordo com os trabalhadores.

Na década de 1980 se iniciava o processo de mecanização da lavoura canavieira, com a introdução de máquinas colheitadeiras e carregadoras. As canas cortadas deixavam de ser amarradas em feixes, por sua vez reunidos em montes. Passavam a ser alinhadas no solo, para serem recolhidas pelas carregadoras e jogadas sobre caminhões e carretas. Como consequência, era necessário substituir o tradicional sistema de cálculo do salário pela tonelagem de cana cortada diariamente, para se passar ao sistema métrico, desconhecido pelos trabalhadores. Temendo ser prejudicados, os boias frias recorreram ao único meio de que dispunham, a revolta.

O espaço de breve artigo impede a descrição de dramáticos fatos a poucas linhas. O Estado de S. Paulo, a Folha, O Jornal da Tarde, o Jornal do Brasil, revistas e emissoras de televisão deram ampla cobertura à rebelião. Alarmados pelo que se passava em Guariba, usineiros e fornecedores de municípios próximos foram tomados pelo temor de que os protestos se expandissem e fugissem ao controle. A edição de 16/5 da Folha de S. Paulo ilustrava a matéria Conflito em Guariba com a fotografia de Amaral Vaz Meloni morto sobre uma poça de sangue. O Jornal da Tarde, na edição de 18/5/1984, dedicou duas páginas ao assunto, uma sob o título “Podemos parar Guariba, outra vez” e a outra com a manchete “O quadro da tensão no campo”.

Ao chegar a Guariba procurei pelo prefeito Evandro Vitorino. Consegui, logo depois, entrar em contato com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores, Benedito Vieira de Magalhães, para lhe pedir ajuda. Com muito esforço promovi reunião no único local disponível, a sede do Sindicato Rural de Jaboticabal. Graças à ajuda de representantes de trabalhadores e patrões, cientes da gravidade do momento, obtive uma espécie de acordo prévio, mediante imediato restabelecimento do sistema de cinco ruas.

Em homenagem aos signatários, lhes registro os nomes: Benedito Vieira de Magalhães, Hélio Neves, João Flávio Taveira, presidentes, respectivamente, dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Jaboticabal, Taiúva, Taiaçú, Monte Alto e Guariba; de Araraquara; de Barretos. Pelos empregadores assinaram José de Laurentis Jr., Luís Hamilton de Moura Montans, Estevam Scholobac Salvagni, presidentes dos Sindicatos Rurais de Guariba, de Jaboticabal, de Taquaritinga.

A assinatura do histórico documento, por mim datilografado em máquina Olivetti, se deu às 21:30 horas, como está consignado no original em meu poder. Em 17 de maio foi assinada a versão completa do Acordo Coletivo. O documento, o primeiro da sua natureza, contém série extensa de garantias aos trabalhadores volantes, como o registro em carteira.

As greves não terminaram, mas a partir do Acordo de Guariba a situação dos trabalhadores volantes passou a ser objeto de negociações periódicas. Decorrida talvez uma década, o boia fria entrou em processo de extinção, substituído por máquinas possantes.

Encerrava-se, assim, antigo capítulo da história da lavoura canavieira, iniciada em São Vicente, poucos anos após da descoberta do Brasil.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Academia

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