No Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.152.603/PR o reclamante insurgiu-se contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho que julgou improcedente a Reclamação Trabalhista, reconhecendo a licitude de contrato de prestação de serviços, afastando a existência de vínculo empregatício com Empresa de Seguro. O Ministro Gilmar Mendes, como Relator, em decisão monocrática invocou o Tema de Repercussão Geral 1389, no qual será decidido pela Corte Suprema a “Competência e ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; e a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade”.
Com base no artigo 1.035, § 5º do CPC, determinou a suspensão nacional dos processos, invocando a ADPF 324 em que se reconheceu a validade constitucional de diferentes formas de divisão do trabalho e a liberdade de organização produtiva de cidadãos, e fez menção a reiteradas decisões da Justiça do Trabalho contrárias à orientação da Suprema Corte.
A Constituição da República atribui ao SFT precipuamente a guarda da Constituição (art. 102), assim como fixa explicitamente a competência de todos os órgãos que compõem o Poder Judiciário. Em relação à Justiça do Trabalho, cuja competência é assentada no artigo 114, destaque-se que pela redação originária a competência era para “conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público, externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho (….)”. Já com a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, passou a ter competência para processar e julgar “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Houve, pois, a ampliação da competência da Justiça do Trabalho para decidir holisticamente o trabalho compreendendo todos os conflitos dele derivados.
Há mais de oitenta anos o reconhecimento da existência ou não da relação de emprego é atribuição da Justiça do Trabalho, inclusive por a decisão normalmente desafiar a valoração de provas para o que o artigo 9º da CLT diz que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”. Sempre sob a regência do princípio da primazia da realidade, fundamental no âmbito das relações de trabalho. Ademais, não se pode confundir terceirização, a envolver três partes, como regulado em lei, com pejotização, abrangendo duas partes.
Também não se pode olvidar que a República Federativa do Brasil tem como um dos fundamentos “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (CF, artigo 1º), que entre os Direitos e Garantias Fundamentais inserem-se os Direitos Sociais (CF artigos 6º a 11) e que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” (CF art. 170).
Em relação à suspensão nacional dos processos de que trata o Tema nº 1389, especificamente sobre a competência e ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços, pela amplitude do tema facilmente vislumbra-se o universo de processos que estão sendo paralisados pela determinação já cientificada a todas as instâncias trabalhistas, sobretudo às duas primeiras, cuja competência abrange avaliação de provas produzidas ou as consequências de sua não produção. As consequências desta paralisação, obviamente, são incomensuráveis.
A título ilustrativo, registre-se que consoante dados do CNJ1 a Justiça do Trabalho, em processos novos de 2024, movimentou 459.941 ações em que se debate o reconhecimento ou não de relação de emprego, sendo que no presente ano há em curso 70.748 novos processos com o mesmo tema.
Direito do Trabalho e Justiça do Trabalho são faces da mesma moeda. O que atinge um, afeta outra. Justiça do Trabalho sempre foi o bastião da efetividade da tutela legal trabalhista, edificada por princípios informativos, por Diplomas Internacionais da 1 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Justiça em Números – Painel de Estatísticas. Disponível em: https://justica-em-numeros.cnj.jus.br/painel-estatisticas/. Acesso em 15 abr.2025 maior envergadura e pela evolutiva história constitucional brasileira até desaguar na consagração do rol exemplificativo de direitos sociais pela Carta Magna de 1988.
A ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO DO TRABALHO, honrando seu compromisso com o cumprimento da Constituição da República, que estabeleceu o trabalho como um dos valores fundantes de República e da democracia brasileira, sente-se na obrigação de se pronunciar para alertar todos sobre o indeclinável dever de observância das disposições da nossa Constituição, especialmente quanto à competência material da Justiça do Trabalho, consagrada em seu artigo 114.
Brasília, 15 de abril de 2025.
Alexandre de Sousa Agra Belmonte
Presidente da Academia Brasileira de Direito do Trabalho