A valorização dos corpos intermediários entre o homem e o Estado para o fortalecimento da liberdade e da democracia sobretudo nos países da América do Sul

23/12/2023

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A contribuição inestimável de Jacques Maritain com seu livro O Homem e o Estado

Por Renato Rua de Almeida

        Em dezembro de 1949, Jacques Maritain escreveu o Homem e o Estado, fruto de seis conferências proferidas na Universidade de Chicago.
        Significado importante desta obra, é o fato de Maritain tê-la escrito logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando a Europa ocidental foi dominada pelo nazifascismo, denominação máxima de um Estado todo poderoso, uma verdadeira perversão política – expressão utilizada pelo próprio Maritain - ao colocar o homem a serviço do Estado, quando é o Estado que existe para o homem.
        Talvez seja essa a principal característica de Maritain: colocar seu saber filosófico para refletir a realidade, lição tirada de Aristóteles e Santo Tomás de Aquino, pelo que ficou conhecido na filosofia política como um filósofo prático.
        Por essa razão, Maritain refletiu as necessidades de um Estado democrático tendo em vista o desastre que foi o Estado nazifascista.
        A partir dessa premissa, Maritain - autêntico maître à penser, no dizer de seu grande amigo o hoje São Paulo VI - leva-nos, no Homem e o Estado, a refletir quais as causas dessa perversão política do Estado nazifascista e quais os meios para a construção de um Estado verdadeiramente democrático.
        Sem dúvida, a primeira constatação é saber que o Estado é apenas parte, mais importante, é verdade, da Sociedade Política ( ou Corpo Político), para jamais admiti-lo como a própria Sociedade Política, uma vez que esta é também composta por outras sociedades políticas menores (corpos políticos) intermediárias, tão ou mais importantes que o próprio Estado, que é fruto da razão da Nação para promoção do bem comum de todos os membros da Sociedade Política, ao passo que essas sociedades políticas menores (corpos políticos intermediários) são anteriores à própria existência do Estado, como resultados do direito natural (lei natural ou lei não escrita).
        De fato, Maritain demonstra que essa perversão política do Estado nazifascista de então, como dos Estados autocráticos dos nossos dias (Cuba, Venezuela e Nicarágua, na América Latina, Rússia na Europa, China e Coreia do Norte, na Ásia, como exemplos), resulta de uma noção despótica do Estado, baseada em uma teoria substancialista ou absolutista, em vez de uma noção política do Estado, designada como uma teoria instrumentalista, vale dizer de um Estado livre e democrático, cuja existência é justificada pelo respeito e promoção das sociedades políticas (corpos políticos) intermediárias e do bem comum.
        Essa concepção despótica do Estado, baseada em uma teoria substancialista, resulta, por sua vez, de um conceito equivocado de soberania, impondo ao Estado uma tarefa exageradamente pesada, que o torna sujeito, via de regra, a uma grave corrupção.
        Dessa segunda premissa, podemos chegar à conclusão neste texto para dizer, como Maritain, que a principal urgência ainda presente nos dias atuais de desenvolver a justiça social e melhorar a organização econômica do mundo passa necessariamente pela tomada de consciência de que o povo deve se preparar de modo mais efetivo para o exercício da liberdade e da democracia, com o Estado democrático garantindo e facilitando o desenvolvimento livre da Sociedade Política (Corpo Político), ao respeitar e promover atuações efetivas na ordem econômica, na educação, etc., das sociedades políticas (corpos políticos) intermediárias.
        É Maritain quem ainda nos ensina que essas sociedades políticas (corpos políticos) intermediárias que procedem da livre iniciativa dos cidadãos devem ser tão autônomas quanto possível, uma vez que o elemento pluralístico é inerente a toda a sociedade verdadeiramente política.
        Na América do Sul, podemos dizer que a República Federativa do Brasil, com a recente eleição de um governo populista de esquerda, prioriza a atuação das empresas estatais na ordem econômica, contrariando o próprio texto constitucional brasileiro, em seu artigo 173.
        Em decorrência dessa opção antidemocrática, o governo populista brasileiro vem tentando afastar o direito de concorrência das empresas privadas na execução do serviço do saneamento básico, cuja limitação atual atinge a metade da população brasileira, em torno de 100 milhões de brasileiros, os mais empobrecidos, em razão de que esse serviço é feito precariamente por empresas estatais descapitalizadas e inoperantes.
        Ademais, a imposição ao Estado brasileiro de uma tarefa exageradamente pesada na ordem econômica para as empresas estatais fez com a extração e o refino do petróleo pela empresa Petrobrás resultassem na maior corrupção governamental da história brasileira.
        Ainda na América do Sul, a esperança vem da República Argentina, na medida em que o governo recentemente eleito promete uma economia aberta para as empresas privadas, como motor do crescimento econômico.

        E é Jacques Maritain quem nos dá a última lição a respeito do Estado moderno, ao dizer-nos que lhe cabe ser democrático na ordem política e liberal na ordem econômica, com movimentos de descentralização administrativa e de desestatização na vida social e econômica, visando ao advento de um novo regime personalista e pluralista.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Academia

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