Em evento realizado pela ABDT em São Paulo, juristas abordaram divergências de interpretação entre TST e STF, em debate acadêmico de alto nível
Terminou na última sexta-feira (20), em São Paulo, o XIV Congresso Internacional da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (ABDT) — Trabalho e Novas Tecnologias: Impactos Socioeconômicos e Jurídicos. Durante dois dias, cerca de 1.200 pessoas, entre magistrados, advogados, membros do Ministério Público, acadêmicos, doutrinadores, agentes públicos, diretores jurídicos, empresários, economistas, pesquisadores, estudantes de Direito e interessados no estudo das relações de trabalho, discutiram os efeitos da transformação digital e das novas tecnologias sobre o Direito Trabalhista.
Presidente da ABDT e ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Alexandre Agra Belmonte ressaltou a contribuição da Academia para essas transformações que o mundo do trabalho tem sofrido. “A ABDT, ao longo de sua história, sempre atuou para o desenvolvimento das questões processuais e materiais das relações de trabalho. O sucesso de público demonstra esse reconhecimento e interesse pelo que a ABDT tem a dizer sobre os temas tradicionais e contemporâneos”.
O acadêmico Ney Maranhão, um dos organizadores do evento, salientou o sucesso da 14ª edição do Congresso da ABDT: “Foram cerca de 50 profissionais trabalhando, quase 30 palestrantes, inscrições encerradas antecipadamente e um público de praticamente 1.200 pessoas que só não foi maior por limitações de espaço. Estamos muito felizes”. Compareceram mais de 50 acadêmicos, 13 ministros do TST (ativos e aposentados) e um ministro da Suprema Corte de Angola.
Para o ministro aposentado do TST, Vantuil Abdala, um dos grandes objetivos do Congresso é ressaltar que deve haver não só um esforço no sentido da solução de conflitos antes que sejam submetidos ao Judiciário, “mas que os destinatários da norma saibam exatamente como devem interpretá-la”.
Um dos destaques internacionais do evento, o professor de Direito da Universidade de Coimbra João Leal Amado chama a atenção para um dos grandes problemas trazidos hoje pelas novas tecnologias, que permitem a conexão da empresa com o trabalhador em tempo integral, 24 horas por dia. “Isso potencializa situações de quase escravidão”, diz o especialista, propondo a criação de regras que garantam ao trabalhador mais do que o direito a não responder e-mails ou mensagens de Whatsapp: “É preciso uma lei que estabeleça o dever da empresa não se conectar com o trabalhador fora do seu horário de trabalho”.
STF x TST
Ao longo do evento, diversos palestrantes destacaram as divergências acadêmicas entre o TST e o Supremo Tribunal Federal (STF) em relação a temas trabalhistas, como o famoso caso do reconhecimento do vínculo dos motoristas de aplicativo. O advogado e presidente da Academia Iberoamericana de Direito do Trabalho e Seguridade Social Nelson Mannrich, por exemplo, acredita que o TST “perdeu a oportunidade de assumir o protagonismo na questão, reconhecendo que o mundo mudou e a CLT não é a única forma de regular as relações de trabalho”. Como resultado, na opinião dele, o STF acabou assumindo esse protagonismo.
Mas, para outros, como o professor de Direito Constitucional Oscar Vilhena Vieira, o STF estaria criando um “regime facultativo do Direito do Trabalho”, pois decisões monocráticas dos ministros da Suprema Corte estariam flexibilizando o Art. 7o da Constituição Federal, que estabelece os direitos dos trabalhadores. “Essa é a minha maior preocupação”, disse durante o evento.
José Dallegrave Neto vai na mesma toada e, referindo-se ao tema da Terceirização e sua análise pelos Tribunais Regionais e Superior do Trabalho, afirma que “o STF criou um monstro, distorceu a ordem jurídica e, agora, tenta imputar o caos àqueles julgadores especializados em questões trabalhistas, que sempre julgaram com acerto esta matéria”.
A advogada Vólia Bomfim, diretora de eventos da ABDT, apontou a divergência de interpretação acerca da “pejotização” entre o STF e TST, pois “aquele órgão enxerga uma relação comercial enquanto este uma relação de emprego disfarçada”.
Esses e outros especialistas do Brasil e do exterior participaram de oito painéis temáticos e cinco conferências discutindo temas como o reconhecimento de direitos trabalhistas em atividades para plataformas digitais, geolocalização de empregados por aplicativos, novos contratos de trabalho em tempos de home office e o uso de inteligência artificial para identificar casos de litigância predatória.
Confira abaixo o que foi debatido no Congresso da ABDT:
- Conferência Magna de Abertura: “Trabalho e Novas Tecnologias na Visão do STF”
- Conferencista: professor Oscar Vilhena Vieira
- Presidente de Mesa: advogado Antonio Carlos Aguiar
- Conferência II : “Os Desafios do Novo Mundo do Trabalho”
- Conferencista: professor João Leal Amado
- Presidente de Mesa: advogada Yone Frediani
- Painel 01: Questões Contemporâneas do Sindicalismo no Brasil
- Temas – Despedidas em massa: tema 638 STF, Requisitos e efeitos do descumprimento; Financiamento Sindical: Contribuição assistencial e arrecadação; Negociado X Legislado: Tema 1046 do STF nos acordos, convenções e dissídios coletivos do trabalho
- Presidente de Mesa: advogado Ricardo Pereira de Freitas Guimarães
- Painelistas: desembargadora Tereza Asta Gemignani, juiz Luciano Martinez, ministro Douglas Alencar Rodrigues
- Painel 02: Questões Contemporâneas de Processo do Trabalho
- Temas: Competência da Justiça do Trabalho na visão do STF, Geolocalização e provas digitais, Negociado X Legislado: Questões processuais controvertidas
- Presidente de Mesa: desembargador Valdir Florindo
- Painelistas: advogado José Afonso Dallegrave Netto, juiz e conselheiro do CNJ Guilherme Guimarães Feliciano, juiz Platon Teixeira de Azevedo Neto
- Painel 03: Questões Contemporâneas de Direito Material I
- Temas: Novos contratos de trabalho: autonomia x subordinação; Terceirização e Pejotização na visão do STF; ADPF 324 e Tema 725; Telemedicina (atestado médico-aceitação) e limbo previdenciário
- Presidente de Mesa: advogado João de Lima Teixeira Filho
- Painelistas: advogado Célio Pereira Oliveira Neto, advogada Vólia Bomfim e juíza Thereza Christina Nahas
- Painel 04: Questões Contemporâneas de Direito Material II
- Temas: Novas leis protetivas das Mulheres x lei das Transparência x LGPD x Igualdade salarial; Estabilidade da gestante: Temas 497, 592 do STF x Súmula 244, III do TST; Parentalidade e lei 14.457/22: adaptação razoável e ônus indevido
- Presidente de Mesa: ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi
- Painelistas: advogada Carolina Tupinambá, desembargadora Luciane Barzotto, advogado Eduardo Pragmácio Telles Filho
- Painel 05: Questões Contemporâneas de Direito Material III
- Temas: Trabalho em aplicativos e o STF; Práticas ESG: Investimento ou gasto?; Assédios Moral, Sexual e Eleitoral
- Presidente de Mesa: juiz Ney Maranhão
- Painelistas: advogado Nelson Mannrich, juíza Flávia Pessoa, desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira e advogado Pedro Jorge Santana Pereira
Conferência III: Negociação, Benefícios e Judiciário
- Conferencista: professor José Pastore
- Presidente da Mesa: desembargador Paulo Regis Machado Botelho
Painel 6 – O Processo do Trabalho nos Tribunais Regionais
° Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica e Grupo Econômico
° Incidentes de demandas repetitivas
Presidente de Mesa: advogado Luiz Carlos Amorim Robortella
Painelistas: desembargador Bento Herculano Duarte Neto e desembargador Sérgio Torres Teixeira
Painel 07 – O Processo do trabalho nos Tribunais Superiores
° Pronunciamento explícito, omissão, provocação e prequestionamento ficto
° O sistema de formação de precedentes e efeitos e Reclamação em instâncias superior e suprema
Presidente de Mesa: ministro Aloysio Corrêa da Veiga
Painelistas: juiz Júlio César Bebber e ministro Cláudio Mascarenhas Brandão
Painel 08 – Litigiosidade Trabalhista e Segurança Jurídica
Temas: Advocacia Predatória contra devedores contumazes: contradição? Análise econômica do direito a partir da criação de precedentes judiciais e alterações legislativas
Presidente da Mesa: ministro Vantuil Abdala
Painelistas: advogado Estevão Mallet e juiz Rodolfo Pamplona Filho
Conferência IV – O Futuro do Direito do Trabalho
o Presidente de Mesa: ministro Alexandre Agra Belmonte
o Conferencista: professor Giuseppe Ludovico (IT)
Conferência V – O Futuro do Direito do Trabalho
o Presidente de Mesa: ministro Alexandre Agra Belmonte
o Conferencista: professor Jorge Rosenbaum Rímolo (UY)
O Congresso contou com o apoio do Sesc SP, da Academia Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2), da Estácio, do Cers e da Uninassau. Foi ainda patrocinado por: FecomercioSP, CNC, Eletrobras, Bradesco, Caixa Econômica Federal, CNSaúde, Nubank, Banco BRB, Luciano Gago Advogados Associados, Chiode Minicucci Little, Naturgy, Sindicato Rural de Bastos, AMB, ABMT, AASP, GM ADVOGADOS, Solon Tepedino Advogados e ANAMATRA.