João da Silva, trabalhador brasileiro.

19/11/2023

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Por Almir Pazzianotto Pinto

O meu herói não integra os altos escalões dos Três Poderes da União, das Forças Armadas, das universidades, das academias, da imprensa ou esportes.  

É o trabalhador comum, ao qual darei o nome de João da Silva. Como tantos outros anônimos, levanta-se às 5 da madrugada, toma café, come pedação de pão, caminha 30 minutos até o ponto de ônibus, temendo ser assaltado. Registrará o ponto às 7h, para cumprir honesto dia de trabalho. Deixará o serviço no fim da tarde, quando empreenderá caminho de volta à casa. Se não chover e o trânsito fluir normalmente, chegará às 19h, para magro jantar com a família.

Trabalha 44 horas semanais em antiquada fábrica da zona leste, com outros 20 empregados.  Recebe o salário no quinto dia útil do mês seguinte. O holerite é incompreensível. Reluta em tirar férias. Prefere vendê-las. Não se aborrece quando presta uma ou duas horas extraordinárias. Paga a contragosto a contribuição ao INSS e arca com desconto do Imposto de Renda.

Tem mulher e dois filhos em idade escolar. Mora em rua não pavimentada e escura da periferia, sem esgoto e água potável. O casebre, coberto por laje, tem sala, quarto, cozinha e banheiro. Garantido o aluguel mensal, o gás de cozinha, a luz elétrica, a conta da Sabesp, o que sobra vai para a comida. A mulher faz prodígios para manter a família. Compra o mínimo necessário: arroz, feijão, pedaço de carne de porco, ovos, batata, verdura, óleo de soja. Espanta-se com o aumento de preços. Procura o mais barato no atacadão do bairro, no armazém da rua, na feira do final da semana. Para os filhos, garante o pão, o café com leite, vez ou outra uma barra de manteiga. Aos domingos terá macarrão, um pedaço de carne de segunda ou meio frango. Tênis, sandálias, roupas, agasalhos de inverno são adquiridos em lojas populares do Largo do Socorro ou da Rua 25 de Março. Evita passar diante de shoppings e de luxuosos supermercados.

Distrai-se com a televisão. Assiste programas religiosos ou de auditório. Não lê jornal, nem mesmo o do bairro. Pouco sabe sobre a política nacional e quase nada conhece do estrangeiro. Convenceu-se de que a corrupção é doença contagiosa e incurável. Depois da Lava Jato desistiu de ver punidos os acusados. Na fábrica ninguém se sindicalizou. Jamais foram procurados por algum dirigente. Ignoram onde fica a sede. Alguém lhes disse que é no centro da cidade. É congregado em igreja evangélica. Comparece aos cultos do final de semana, com mulher e filhos. Vestem a melhor roupa, para ouvir as palavras da Bíblia lidas pelo pastor, pessoa simples como eles.

Com quase dez anos de empresa e vinte de serviço, o maior temor é o desemprego. Tem parentes, amigos e conhecidos à procura de serviço há mais de ano. O ofício que conheciam desapareceu, tragado pela moderna tecnologia. Vivem de bicos, de trabalhos ocasionais, sem registro em carteira.

Teme que o empregador seja alcançado pelo dissídio. Gostaria de ser aumentado. Receia, porém, ser posto fora da sua faixa no mercado. Se vier a ser demitido, levantará o Fundo de Garantia acrescido da indenização e receberá o seguro-desemprego. Sabe, entretanto, que, a partir desse momento, encontrar colocação fixa não lhe será fácil.

Troca ideias com colegas no intervalo para o almoço. Comem todos de marmita e discutem a situação da fábrica. Comentam a violência nas ruas, a política, os problemas da profissão, a má qualidade do transporte e notícias sobre a roubalheira desenfreada.  Falam do futebol e do abandono em que se encontra o bairro.

Por que motivos operários como o João não procuram os sindicatos? Sabemos que a taxa de sindicalização é inferior a 10%. Por sinal, nunca foi elevada. O maior número de sindicalizados é encontrado nas estatais, empresas de economia mista e serviços públicos. As respostas serão dadas por sociólogos do trabalho.

Depois que a Contribuição Sindical passou a voluntária, as centrais sindicais tentam descobrir fórmula mágica que restabeleça algum tipo de taxa compulsória. Contam com o apoio do Ministério do Trabalho. Sindicalização obrigatória é medida violenta e inconstitucional. Não combina com o Estado Democrático. Deduzir de forma coercitiva qualquer parcela salarial, lesa o trabalhador e não melhora o conceito que tem do sindicato. Antes, e pelo contrário.

Deixem os trabalhadores em paz. São homens livres e capazes. Respeitem-lhes a decisão. Permitam-lhes resolver se desejam ou não ser sindicalizados.  

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Academia

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