O INÍCIO DO FIM DO ETERNO RETORNO

13/01/2023

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Por Guilherme Guimarães Feliciano

As agressões ocorridas em Brasília neste último 8 de janeiro deram-se, ninguém duvida (nem os bolsonaristas radicais), ao arrepio da Constituição de 1988 e da verdadeira expressão da soberania popular, consubstanciada no resultado das urnas em 30 de outubro de 2022. As pessoas responsáveis – a saber, executores, mandantes, mentores, aliciadores, financiadores e instigadores (CP, art. 31) –, por ação ou omissão, devem ser agora rigorosa e exemplarmente punidas, nos campos penal e civil, feita a devida investigação e assegurados, em todo caso, os imprescindíveis direitos de defesa. Tudo, ademais, sem prejuízo das necessárias medidas cautelares, como couberem. E cabem: em relação aos depredadores, em especial, a prisão preventiva representará, de regra, uma boa e necessária medida para a garantia da ordem pública, ou quiçá para a conveniência da instrução criminal, sabendo-se que os crimes contra as instituições democráticas, introduzidos pela Lei 14.197/2021 – sob Bolsonaro –, têm penas máximas cominadas superiores a 4 anos (sem considerar a associação criminosa, que acrescenta pena).

Para mais, no desiderato da plena e cabal responsabilização dos agentes, e tendo em conta o prejuízo econômico causado à União (a par do patrimônio cultural vilipendiado que, a rigor, não admite mensuração monetária), é curial mirar os bolsos dos financiadores. E, nessa linha de raciocínio, importará ter em conta, para esse episódio e outros semelhantes – como, p. ex., os que envolvem a obstrução violenta de vias públicas de rolamento ou de escoamento de alimentos ou combustíveis –, que a utilização de bens para a prática ou o fomento de tais atos organizados de agressão, a exemplo de ônibus, caminhões e afins, podem ensejar a pronta apreensão e o ulterior perdimento dos respectivos bens, no campo criminal (CP, art. 91, II e §5º, e CPP, art. 133) ou civil (CC, arts. 927 e 942, e CPC, art. 301).

Mas, para além do óbvio ululante, esse dia fatídico nos lega algumas implacáveis lições.  

A primeira é a de que, do ponto de vista constitucional, não há exercício legítimo do direito de manifestação ou reunião (CRFB, art. 5º, XVI), como tampouco de liberdade de expressão (CRFB, art. 5º, IV e IX), quando o que se manifesta ou expressa tem intrínseco caráter violento e/ou ilícito, colimando resultados criminosos ou finalidades defesas em lei (como, p. ex., a abolição do Estado Democrático ou o golpe de Estado – CP, arts. 359-L e 359-M); tampouco quando os seus métodos de manifestação ou expressão são, por si mesmos, criminosos (como, p. ex., a depredação do patrimônio público e cultural – CP, art. 163, par. único; Lei 9.605/1998, arts. 62, 63 e 65).  

A segunda é a de que o segundo domingo de 2023 ingressa nos anais da História do Brasil como um marco abjeto de violência política, criminalidade ideológica – organizada nos métodos, anárquica nos propósitos – e espírito antidemocrático, revelando o quando a sociedade brasileira é devedora de uma justiça de transição que, após março de 1985, não se fez a contento ou em completude. Quando, passados mais de vinte anos, o Brasil finalmente se livrou dos grilhões de uma ditadura militar, não se afirmou, com a assertividade necessária, a verdade histórica, nem se aviou a necessária responsabilidade penal dos agressores, sequer simbolicamente (porque, afinal, a Lei de Anistia não permitia, como tampouco podia ser revogada ou “superada” – STF, ADPF 153). Disso resultou um idílio de “passado virtuoso” que foi apregoado, em alto e bom som, pelo ex-mandatário maior e suas linhas de apoio.

No lodo, porém, também nascem flores. Oxalá esse domingo, 8/1/23, sirva para que, doravante, os escrúpulos democráticos afastem quaisquer arroubos golpistas, anarquistas, terroristas e afins. Que tenha sido o batismo de fogo da nossa jovem democracia; e, para todos nós, o ocaso do opróbrio. Ou, em bom português, o fim da vergonha – que não é, nem nunca foi, alheia. A lição fica para a posteridade: a lei nietzschiana do eterno retorno traga especialmente quem não salda, com os devidos juros, as dívidas do passado.

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Guilherme Guimarães Feliciano, 49, é Professor Associado III da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Coordenador dos Grupos de Pesquisa “O Trabalho além do Direito do Trabalho” e “Meio Ambiente do Trabalho” (USP). Titular da Cadeira 53 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho no biênio 2017-2019 e da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região no biênio 2011-2013. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Academia

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