Conflitos trabalhistas: doença brasileira

18/02/2025

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Por Almir Pazzianotto Pinto

                                    O que ama a contenda, ama a transgressão, diz a Bíblia: Provérbios 17:19. No Brasil, as estatísticas revelam nosso apreço ao conflito e a aversão a resolver divergências pelo diálogo e pela negociação, tornando necessário recorrer ao Poder Judiciário.

                                    O brasileiro é justicialista, disse certa ocasião eminente ministro do Supremo Tribunal Federal, referindo-se à insopitável tendência de se esgotarem todos os recursos judiciais, possíveis e imaginários, antes de se curvar à decisão que decidiu o litígio.

                                    A Justiça do Trabalho é, provavelmente, o mais solicitado dos ramos do Poder Judiciário. Apenas em 2024 foram ajuizadas cerca de 2,4 milhões de novas ações, as quais se somaram àquelas que deram ingresso nos últimos anos. A Reforma Trabalhista acenou com a possibilidade da redução do espantoso volume, com o pagamento de custas e honorários de sucumbência pelo reclamante vencido. Alheio à realidade o Supremo Tribunal Federal fez reverter essa tendência, em nome do acesso gratuito ao Poder Judiciário, independente da comprovação da situação de pobreza. Os péssimos resultados não se fizeram esperar. Com efeito, o número de casos novos, que caíra a 1.460.702, em 2020, voltou a subir nos anos seguintes, atingindo a 1.855.724 em 2.023, como revela o Relatório Geral do TST (pág. 28).

                                    Milhares de advogados recém-formados encontram no reclamante trabalhista o primeiro e mais fácil cliente. Outros tantos aceitam trabalhar como “audiencistas” ou “pauteiros”, pagos por escritórios para comparecerem à primeira audiência. Em São Paulo a Ordem dos Advogados do Brasileiro registra cerca de 500 mil inscritos. Inexpressivas cidades interioranas costumam possuir em torno de 50 escritórios, com dois ou três advogados.

                                    A proliferação amebiana de escolas de direito aviltou a profissão e lhe comprometeu a beleza e a integridade, que encontraram na figura de Rui Barbosa o seu mais excelso representante. Deu origem à bilionária advocacia predatória, praticada na Justiça do Trabalho.

                                    Dediquei 23 anos de profissão trabalhando em sindicatos e federações de trabalhadores. Os tempos eram outros. O País sofria com os rigores do regime militar. Vagas acusações poderiam levar ao cárcere, à tortura e à morte. Greves eram reprimidas com violência e, mais de uma vez, o Ministério do Trabalho decretou intervenção em entidades grevistas. Duelei na tribuna do TRT de São Paulo com ilustres advogados patronais. É impossível selecionar nomes, mas, entre todos se destacavam, pelo ímpeto combativo, o dr. Octávio Bueno Magano, e, pela elegância no trato, o dr. Benjamim Monteiro, ambos da Fiesp. No velho Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo não me esqueço de juízes da qualidade de Cid Citrângulo, Homero Diniz Gonçalves, Bandeira Lins, Hélio de Miranda Guimarães, Gabriel Moura Magalhães Gomes.

                                    O crescimento físico e patrimonial da Justiça do Trabalho, simbolizado pelo conjunto de prédios localizado em área nobre de Brasília, não tem se mostrado suficiente para dar vasão ao número crescente de reclamações individuais e recursos, tampouco se revelam eficientes as legislações e jurisprudências defensivas, aprovadas, para desânimo patronal, pelo TST.

                                    Não encontraremos solução enquanto não impusermos freios ao ajuizamento de dissídios individuais abusivos. Os magistrados de primeiro grau sabem disso. O mesmo Relatório Geral do TST indica, por exemplo, que “O saldo de processos, ao final de 2022, acrescido aos recebidos em 2023, totalizou 5.394.819 processos a solucionar, dos quais 54,3% encontravam-se na Primeira Instância, 29,19% na Segunda Instância e 16,6% no Tribunal Superior do Trabalho”.

                                    Sabemos que a maior carga processual se concentra na 2ª, 15ª, 1ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 9ª Regiões, a saber, São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco, Paraná.  Há Tribunais Regionais de pequeno porte, criados após a promulgação da Constituição de 1988, cuja existência dificilmente se explica.

                                    Estamos falando da Justiça do Trabalho, cujas decisões têm impacto direto na economia. Apenas em 2024, “Os valores pagos aos reclamantes totalizaram quase 41 bilhões de reais, dos quais 41,5% decorrentes de acordo, 44% de execução e 14,5% de pagamento espontâneo”, informa o Relatório. Empresários com investimentos no Brasil, ou dispostos a aqui investir e gerar empregos, devem pesquisar a mais recente jurisprudência trabalhista, para verificar a facilidade com que são impostas pesadas condenações, especialmente a título de indenização por danos morais.

                                    O Relatório anual do Tribunal Superior do Trabalho contém informações preciosas. Deve ser lido.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Academia

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